Ah, os anos 1980, aquele tempo em que um sujeito vestido de palhaço se divertia em frente às câmeras dando foras em crianças e ainda colocava moças com pouca roupa para dançar sensualmente ao lado da molecada. “Bingo, o rei das manhãs” retrata esse mundo que parece totalmente absurdo, mas que foi praticamente ontem. E não se deixe enganar pelo tema: o filme, apesar de todas as caretas e piadas, é um drama dos grandes.
Com direção de Daniel Rezende, “Bingo” é baseado na história de Arlindo Barreto, artista que viveu o palhaço Bozo, um sucesso grande na TV na década de 1980. Vladimir Brichta vive o protagonista, batizado no filme como Augusto Mendes: ele é um ator de pornochanchadas que por acaso acaba fazendo um teste para ser o apresentador de um programa infantil. Aprovado, Augusto se torna Bingo, um palhaço de sorriso largo, caretas cativantes, mas com uma vida privada conturbada.
São as contradições de Augusto que guiam a história. Ele é filho (de uma atriz decadente, vivida por Ana Lúcia Torre) e pai (de um menino que sente a ausência paterna, interpretado por Cauã Martins). É famoso como Bingo, mas por contrato deve se manter anônimo como Augusto. É um homem naturalmente feliz, mas sua alegria excessiva vai aos poucos se transformando em decadência devido ao uso indiscriminado de álcool e cocaína.
O roteiro de Luiz Bolognesi reúne essas diversas faces do personagem e as põe em conflito. “Bingo” não é simplesmente um filme sobre a ascensão e a derrocada de um apresentador de TV; ele trata das máscaras que vestimos diariamente para encarar o mundo. O rosto do palhaço funciona, assim, como uma metáfora para qualquer posição que assumimos frente a problemas. A direção de Rezende trabalha muito bem as várias percepções sobre seu protagonista e as transfere com sutileza para o espectador. Sem apelação para soluções fáceis, em pouquíssimo tempo qualquer um se envolve com a história de Bingo.
Por fim, a perfeição se confirma com a atuação de Vladimir Brichta. Ele mantém desde o início as expressões alegres que seu Augusto exige, mas vai evoluindo conforme as crises vão surgindo. Brichta extrai o drama da comédia, encontra o ponto certo dos tradicionais clowns de circo. Suas cenas com Leandra Leal (de contraste) e com Augusto Madeira (de complemento) são uma delícia para um dos melhores filmes feitos no ano.
Fonte: http://rioshow.oglobo.globo.com/cinema/eventos/criticas-profissionais/bingo-o-rei-das-manhas-18783.aspx