Adriana Esteves: “É muito bom poder gritar através das personagens o que quero gritar para o mundo”
Atriz prepara-se para viver uma das protagonistas de ‘Amor de Mãe’, próxima novela da Globo, enquanto emissora reprisa ‘Avenida Brasil’, produção brasileira mais vendida no exterior em que viveu sua mais icônica vilã: “Estou com ciúmes disso!”
Adriana Esteves (Rio de Janeiro, 1969) está “enciumadíssima”. No momento em que a atriz começa a gravar os primeiros capítulos de Amor de Mãe, novela de Manuela Dias, com direção de José Villamarim, que estreará em novembro no horário nobre da Globo, a emissora anuncia a reprise de Avenida Brasil (2012) à tarde. A produção, que tornou-se a novela brasileira mais vendida no exterior, fará o público matar as saudades de Carminha, vilã que com caras, bocas e ranger de dentes, conquistou a tradicional família brasileira, apesar das maldades contra a enteada, Nina, (e à própria filha) e das traições ao marido.
“Estou com ciúmes disso!”. Ela mal espera a menção à personagem para soltar a frase, durante uma entrevista ao EL PAÍS nos estúdios Globo, no Rio de Janeiro. “Tenho ciúmes porque aquela novela foi tão importante para mim e eu gostei tanto de fazê-la que eu estava com ela guardada numa espécie de caixinha de joias. Tenho medo de ela ser banalizada, queria deixá-la guardada lá, no meu coração. Mas sei que isso é uma besteira, um ciúme louco meu”, justifica-se.
Ela diz que Avenida Brasil foi algo “avassalador” em sua vida e que as pessoas ainda a param na rua para chamá-la de Carminha. “Sempre, sempre, sempre. Na época da novela, sentava no restaurante, pedia para Vlad [o também ator Vladimir Brichta, com quem é casada] pedir a conta e, com frequência, ela já havia sido paga por alguém ou o dono do restaurante não nos deixava pagar. Foi bonito, foi muito carinhoso”, lembra. Adriana conta que sentiu especial carinho por parte das mulheres. “Não tinha rivalidade, sabe?. Elas me paravam e diziam ‘eu também sou Carminha’, do lado dos maridos, que deviam estar pensando: ‘Como assim? Aquela louca daquela biscate?’”, diz, entre gargalhadas.
De cabelos escuros, com um recatado vestido preto, de mangas compridas —um visual muito diferente da loira e sedutora vilã—, a atriz conversa com a reportagem caracterizada como Thelma, uma das protagonistas de Amor de Mãe. Tendo lido apenas 24 capítulos da obra, ela diz ainda estar aproximando-se da personagem. “O que tenho até hoje é uma mãe de um filho de 20 e poucos anos [interpretado por Chay Suede], viúva há muito tempo e que descobre um aneurisma no cérebro, num determinado local em que as chances de sobrevivência pós cirurgia são muito pequenas. Esse sofrimento, essa preocupação, tudo o que pode existir em relação à reflexão sobre a morte, sobre partir, e se você vai ter tempo de deixar tudo, com todo o amor que você tem pelo seu filho…”. Aqui, as lágrimas interrompem seu pensamento.
Mãe de dois filhos, de 19 e 12 anos, Adriana confessa que tem sido difícil distanciar-se da história de Thelma. “É que só a hipótese disso, para uma mãe, é muito doloroso. A afinidade com o tema, a empatia com a mulher que está passando por isso… É difícil”, volta a emocionar-se.
Narrativas femininas
Carminha e Thelma também coincidirão com Catarina, protagonista de O Cravo e a Rosa (2000), inspirada na shakesperiana A Megera Domada, no ar no canal pago Viva. Perguntada se está ansiosa ou se sente-se competindo contra si mesma, ela nega e diz-se “envaidecida”. “Tenho uma carreira muito rica e é um presente estar no ar com três personagens em etapas muito diferentes de vida, aos 30, 40 e 50 anos”.
Ela, que recentemente estrelou a série Assédio, inspirada nas histórias das vítimas de abusos sexuais cometidos pelo médico Roger Abdelmassih, celebra a força que as produções audiovisuais centradas em narrativas femininas tem ganhado nos últimos anos. “Estou em uma idade bem de transição. Faço novela desde os 18 anos, comecei com as mocinhas, as personagens românticas, e depois fui pegando mulheres bem fortes. Então, talvez a temática da própria mulher é que esteja mais corajosa, importante e necessária. E está me dando muito prazer, porque muito bom poder gritar através das personagens o que tenho vontade de gritar para o mundo”, diz.
Adriana reconhece, no entanto, que essa mudança foi “tarde”, ainda que considere que as telenovelas sempre valorizaram as personagens femininas. “Aí dá até orgulho de fazer novela há tanto tempo”, ri. Ela acredita que, na televisão, é mais fácil encontrar papéis femininos que continuem tendo “muita coisa para falar” à medida que a idade avança. “A mulher não vai desaparecer depois dos 50 anos. Pelo contrário, ela cresce, amadurece e tem muito mais histórias para contar. Fico feliz de ter escolhido uma profissão na qual, tendo saúde, a idade pode ser até um fator diferencial, de importância, de ter algo a dizer naquela etapa da vida. É uma profissão que dá esperança.”
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/09/26/cultura/1569532902_629873.html