“Você faz novelas há muitos anos. Tenha calma.” Adriana Esteves repete isso para si mesma sempre que um novo trabalho está prestes a começar. Não é diferente, então, às vésperas de “ Mania de você ”, novela que estreia hoje na faixa das 21h da TV Globo.
Em sua terceira parceria com o autor João Emanuel Carneiro — após “Avenida Brasil” (2018) e “Segundo sol” (2018) —, ela agora interpreta Mércia, uma mulher “solitária, misteriosa, difícil e complexa”, define a atriz. É funcionária do inescrupuloso Molina (Rodrigo Lombardi) e mãe de Mavi (Chay Suede), estelionatário que integra o quarteto de protagonistas. O futuro do personagem é imprevisível.
—Sempre começo achando que não sei fazer. Tenho que pensar: “Mesmo sendo uma novela das 21h, do João Emanuel, é um tijolinho por dia, de cada um da equipe” — diz a carioca, de 54 anos. —A Mércia que conheci já está se transformando. Isso exige de mim dedicação, para correr atrás da cabeça do nosso criador.
Nascida e criada no Méier, Zona Norte do Rio, Adriana não é de fingir fantasia mesmo com 35 anos de carreira. Ela chega a essa marca no próximo dia 18, quando celebra sua estreia na TV em “Top model”, novela das 19h que foi ao ar em 1989.
—Tenho essa história porque existia uma menina do subúrbio que sonhava em ser bailarina clássica, filha de um médico que tocava clarinete e era apaixonada pelas três filhas. É uma trajetória de uma mulher de 54 anos.
As experiências são compartilhadas de um jeito generoso com a turma mais nova. Gabz, de 25 anos, intérprete de Viola, uma das personagens principais de “Mania de você”, ressaltando a simplicidade da colega veterana. E conta um caso do primeiro dia de trabalho das duas juntas: a avó dela foi enfermeira no Hospital Geral de Bonsucesso, onde o pai de Adriana também trabalhou como pediatra. Isso rendeu o assunto principal.
— Adriana pegou meu celular e ficou meia hora conversando com minha avó — diz Gabz, que promete cenas de barraco com “a melhor atriz de briga da TV brasileira”. — Antes de começar, fiquei mal. Como você discute com Adriana Esteves?
‘Inferno’ só em cena
Boa de briga na tela, mas não fora dela. Aliás, muitas coisas que Adriana faz com perfeição na TV não acontecem na vida real. Pronunciar a palavra “inferno”, por exemplo, que sua mínima Carminha de “Avenida Brasil” falava com a boca cheia (“Toca pro inferno, motorista” ou “infeeeeeerno”), é algo impossível.
—Nem falo essa palavra, acredita? Mas o João adora! Só posso falar lá (nas gravações) e nem me lembro. O negócio sai (risos).
Apesar de João Emanuel não ser um amigo íntimo, Adriana interpreta qualquer coisa que ele peça. Algo que faz por quem sente gratidão e ajudou na construção de uma vida profissional que, como toda boa história, é cheia de reviravoltas.
Anos antes de ser indicada ao Emmy Internacional duas vezes — pelas minisséries “Dalva e Herivelto” (2000), de Maria Adelaide Amaral, e “Justiça”, de Manuela Dias (2016), Adriana chegou a se afastar da TV. Foi depois de interpretar Mariana na primeira versão de “Renascer”, em 1993. A personagem foi espinafrada, a atriz levou as críticas para si e caiu em depressão. Reergueu-se com ajuda do teatro (“me deu dignidade profissional e fortaleceu a minha autoestima”) e da psicanálise.
Paixão por família
Trauma superado, curtau assistir ao remake da novela, que terminou na sexta-feira, focado nas boas lembranças.
— Quando eu imaginaria que a minha vida estaria plena, com mais sabedoria e força, e que veria, 30 anos depois, “Renascer” com o meu marido, o pai dos meus filhos, o meu parceirão? — questiona a mulher do ator Vladimir Brichta, o vilão Egídio da nova versão. — A vida deu uma volta em que não houve subtrações. Foram acrescentados amores e parcerias. Não e assim.
Vladimir e Adriana caminham lado a lado há 20 anos. Na trilha também estão a caçula Vicente, de 17, e Agnes, de 27, filha do ator com a cantora Gena Karla, morta em 1999. Felipe, de 24, fruto do casamento da atriz com o ator Marco Ricca, também soma-se à família.
— Não sei se eu e o Vlad somos muito parecidos. Mas a gente se completa — reflete Adriana. — Há uma coisa, porém, muito parecida: somos apaixonados por família. Ele é um filho para o meu pai. E, para minha mãe, ele é tudo. É amicíssimo do Marco também. Assim como eu da família dele, tanto que peguei a filha. É o que falei: sem subtrações. Tive amores, tive histórias, está todo mundo junto.
Além de “Mania de você”, Adriana Esteves não é ar como Cibele, mãe superprotetora da série “Os outros” (Globoplay), de Lucas Paraizo. Os dois últimos episódios da segunda temporada chegam à plataforma na quinta-feira, com o desfecho da procura do personagem pelo filho, Marcinho (Antonio Haddad).
Ao refletir sobre maternidade, a atriz admite:
—Ah, sou tipo Cibele. Meus filhos são a razão da minha vida. Não durmo enquanto não chegarem. Sai do grupo de WhatsApp da escola do Vicente há dois anos para dar espaço a ele. Hoje, ele repassa os assuntos escolares para mim e para o pai. Mas agradeço profundamente quando me passa no privado que “hoje aconteceu tal coisa na escola, tem que falar disso daqui”. Como não tenho rede social, endeuso as amigas que mandam: “Olha a fofoca tal que surgiu” (risos).
A mãe tá off
A ausência digital é uma estratégia para controlar a ansiedade, ela diz. Houve um tempo em que até se disse que não estava refratário aos novos tempos. Hoje, desencanou.
—Na receita de remédio para tomar está escrito: “não ter rede social”. É uma forma de preservar minha saúde mental, é o que me faz bem. Sei o grau de ansiedade que tenho — diz.
“Disciplinada e metódica”, Adriana costuma chegar ao trabalho, sentar no escritório e resolver tudo por e-mail. O computador tem que ser de mesa. Com laptop, corre-se o risco de levar trabalho para a cama ou para o sofá e, com ela, cada coisa tem hora e lugar. Dedicação de encher os olhos de qualquer autor, como ressalta João Emanuel Carneiro:
— Na televisão, se você conseguir 40% do que você imagina, está bom. Com alguns parceiros e parceiros, você consegue mais fazer isso. Com a Adriana é assim. Um sonho de atriz.
Foto: Leo Martins/Agência O Globo