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Adriana Esteves: “Sempre tive medo de me expor, de não aguentar palavras agressivas”

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Foto: Nana Moraes

Sentada na varanda de sua casa, onde toma café da manhã todos os dias, e olhando o mar do Rio de Janeiro, Adriana Esteves, 51 anos, avistou algo diferente. Em meio à água surgiu uma cauda e depois um corpo forte, poderoso. Era uma baleia. Em anos daquela rotina, aquilo era algo totalmente inédito. Não que as baleias nunca tivessem passado pela rota gelada das águas cariocas, mas o olhar de Adriana havia mudado.

“Sempre fui muito agitada, na correria. Durante a pandemia, entrei em contato com a filosofia Wabi-sabi e muita coisa mudou. Parei para ver tudo com muita calma, com olhos e ouvidos atentos. Onde eu estava até agora? Deu um pouco a sensação de que até ali eu vivi de olhos fechados. Agora, caminho pela rua e vejo borboletas, é belíssimo”, fala a atriz, sentada numa poltrona desgastada durante a sessão de fotos para CLAUDIA. “Essa poltrona, por exemplo, muita gente vai falar que é velha, estragada. O Wabi-sabi diz que nada é ultrapassado, mas transformado, tem vida, história”, continua Adriana.

Surgida no Japão e ligada ao zen-budismo a filosofia Wabi-sabi propõe mais respiros, uma vida menos frenética e com atenção naquilo que normalmente seria deixado de lado. Imagina que tristeza deixar de lado baleias no mar em frente à sua casa ou as borboletas que colorem as ruas cinzentas das nossas cidades.

O que desacelerou Adriana, assim como muitas outras pessoas pelo mundo, foi a pandemia. Acostumada a se envolver por meses a fio em novelas e, nos intervalos, pensar em projetos de teatro e cinema, a ideia de passar um tempo sem previsão de acabar em casa foi assustadora a princípio.

“Parece banal, mas sou tão ansiosa que, quando viajo de férias, não consigo ficar mais do que cinco dias em um lugar. E faço a trupe toda ficar zanzando comigo. De repente, foram 5, 10, 20 dias em casa, 6 meses, 1 ano e agora estamos indo para o segundo. Eu entendi que não só consigo ficar esse tempo em casa, mas que pode ser bom”, reflete ela, cuja trupe é o marido, o também ator Vladimir Brichta, 45 anos, e os filhos Agnes, 24, Felipe, 21, e Vicente, 14.

Felizmente para nós, esse intervalo que Adriana forçosamente tirou e todas as reflexões da pandemia a fizeram desistir de se aposentar das novelas – sim, a atriz vinha falando em parar. Apesar de aberta a convites, ela ainda não tem nada fechado na telinha. Até lá, vai se concentrar em conversas para uma peça de teatro e no lançamento de Medida Provisória, filme dirigido por Lázaro Ramos, que finalmente estreia em novembro, após adiamentos.

O longa, com roteiro coescrito pelo ator, sugere um futuro distópico em que uma medida provisória obrigaria todos os brasileiros com família de origem africanas a voltarem para seus países. A extradição criminosa é disfarçada como uma atitude honrosa de permitir que todos tenham contatos com suas raízes, como se fosse um pedido de desculpas do governo nacional pelo processo migratório causado pela escravidão.

Adriana ganhou o papel de Isabel, uma funcionária pública que toma para si o dever de perseguir pessoas a fim de cumprir a medida provisória. Amarga, com os lábios cerrados de raiva, ela bate de frente com o casal de protagonistas, interpretado por Alfred Enoch e Taís Araújo.

“Ela é horrorosa, mas existe. Infelizmente, dá para encontrá-la em algumas figuras do nosso governo atual. Como tenho um bom histórico de vilãs, deu para me divertir ao criar mais uma maldosa”, conta Adriana, que tinha pedido para Lázaro, seu amigo de longa data, para fazer parte de seu primeiro filme. “Queria estar na equipe, mesmo que não fosse atuando”, diverte-se. Ela ainda dá uma dica a quem for conferir: aguarde até o fim dos créditos, que mostram a continuidade da história em imagens lindas.

Ainda mais apaixonada por seu trabalho, por si mesma, por seu marido e seus filhos, Adriana passou algumas boas horas em companhia da nossa equipe e da fotógrafa Nana Moraes, que a fotografou para uma capa de CLAUDIA em 2005. Entre passado, presente e futuro, a atriz falou sobre a alegria de ter feito boas escolhas, a incerteza da pandemia e a esperança para o futuro.

 

A pandemia interrompeu as gravações de Amor de Mãe, novela das 9 da TV Globo em que você era uma das protagonistas. Depois de algum tempo de reprises, vocês retornaram ao trabalho usando máscaras, técnicas de distanciamento. Como foi essa sensação?

Foi muito tenso, assustador. Não tinha vacina nem previsão para a chegada dela. Todo mundo tinha medo de se contaminar, de levar o vírus para casa. Tivemos que criar muita confiança nos protocolos desenvolvidos pela empresa. Manuela Dias, autora da trama, precisou encaixar a pandemia na história e isso também era algo novo.

A ideia era que, quando saíssem os episódios, a pior fase da pandemia já tivesse passado. Mas infelizmente ela só foi se agravando, o número de mortos crescendo vertiginosamente. Eu passei a ter tanta ansiedade que duvidava do futuro, tinha medo do que viria. Tive que cuidar de mim mesma três vezes mais do que o normal, senão seria soterrada pela angústia, a preocupação e os cuidados com meus filhos e meus pais.

Fico pensando nos idosos que achavam que teriam uma fase mais tranquila nessa idade, que a maturidade os pouparia de certas coisas e veio esse susto. Para me acalmar, comecei a ler muito, pesquisar, ouvir especialistas que respeito e me atentei para a necessidade de viver bem o presente.

 

Como você aplicou esse conhecimento no seu dia a dia?

Primeiro, segui fazendo terapia, coisa que não abandono há anos. Também mantive minha rotina de exercícios, mesmo dentro de casa. Isso é algo que me acalma, me faz bem. Outra salvação foram as caminhadas com o Chewbacca, nosso cachorro. Mesmo com medo, usando máscara, eu tinha que sair com ele.

E aí vinha outras pessoas caminhando com seus cães à distância e isso me lembrava do nosso senso de comunidade. Uma das coisas que mais gostei foi conhecer a filosofia Wabi-sabi, que propõe ver o mundo com mais calma, ter olhos e ouvidos atentos. É tão bonito isso de ganhar consciência sobre o que nos cerca.

 

Isso aplacou a sua ansiedade?

No início tudo parecia meio surreal, né? Meus filhos estavam acostumados a ver a mãe trabalhando muito sempre. E ali estava eu, lendo, meditando. Adotei também a ioga, que quero continuar mesmo após o isolamento. Num certo momento, porém, me encantei com a possibilidade de parar. Se não me obrigassem, provavelmente não aconteceria.

Foi rico para eu enxergar em mim coisas que escondia com o ritmo acelerado do trabalho. Não tinha em quem botar a culpa, personagem me consumindo, era eu comigo mesma. As minhas dores, fragilidades estavam todas ali. Entendi que, apesar de ser mais quieta, sinto muita falta do convívio social.

 

Não tenho temperamento para excessos, mas um pouco é necessário. Pude passar mais tempo com meus filhos. Virei mãe de planta. Uma delas se tornou meu xodó. O Vlad fala assim: ‘Aguei todos os vasos menos o seu’. Aí eu vou lá olhar para ela. Vejo os brotos se formando, as folhas crescendo, é lindo isso. E vi que os dias não eram todos iguais. Isso foi um baita aprendizado. O dia de ontem passou, acabou. O amanhã vai ser o que tiver que ser, uma consequência do que você tiver feito no hoje. É grandioso sentir isso. Sempre tive muito orgulho do meu passado, mas agora entendo melhor a importância de ter feito boas escolhas.

Quando fiz a capa de CLAUDIA com a Nana, em 2005, estava passando por uma grande transformação na vida. Tinha começado a namorar o Vlad, estava na novela A Lua Me Disse. Em seguida, ganharia meu primeiro papel num programa de humor, Toma Lá Dá Cá, como Miguel Falabella. Estava ensaiando a peça Auto de Angicos, com o Marcos Palmeira, que me rendeu um Prêmio Shell. No ano seguinte, teria meu caçula.

Fico feliz de ter amado como amei, honrado meu casamento, cuidado dos meus filhos, optado por alguns trabalhos. Sou ansiosa, inquieta, excessivamente profunda, até queria ser mais leve, mas gosto da minha construção.

 

Ficar longe das redes sociais é uma forma de evitar a ansiedade?

Sempre tive medo de me expor, de não suportar palavras e pensamentos agressivos. E também nunca quis correr o risco de exacerbar meu narcisismo. Posso até mudar de opinião um dia, mas acho que não seria benéfico para meu temperamento, poderia alimentar minha ansiedade.

 

Você teve um baita susto durante a pandemia, com a internação do seu ex-marido e pai do Felipe, Marco Ricca. Imagino que isso deva ter piorado seu medo e ansiedade.

Foram muitas dores, mas duas delas as piores. Primeiro, a internação do Marco. Ele ficou muitos dias em casa com febre, mal. No hospital, precisou ser intubado. Veio um pequeno alívio quando ele foi extubado, mas logo precisaram intubar de novo. Era muito assustador. A gente via tantos casos de pessoas que não conseguiam vencer essa doença. Eu e meu filho chegamos a achar que o Marco partiria. Fizemos uma corrente de força, reza, muita espiritualidade. Ele estar aqui hoje é um dos maiores presentes que a vida nos deu. Está saudável, sem sequelas.

Em seguida, veio a perda do Paulo Gustavo. Dessa vez, achei que ele nos daria um susto e voltaria, como o Marco fez. Não tinha como a luz daquele homem se apagar. E a revolta dele não ter tido acesso à vacina antes. Quantos Paulos e Paulas partiram cedo demais porque não receberam a possibilidade de se proteger? Isso me deixa desacorçoada.

Esse absurdo que foi a compra dos imunizantes no Brasil, a demora em vacinar a população. Eu me lembro do alívio que senti, sentada no sofá de casa com a família, assistindo na TV a primeira pessoa ser vacinada. Queria que minha fala fosse exagerada, mas o número de mortos mostra que não foi, que o medo foi real e justificado.

 

Como é voltar ao trabalho lentamente agora?

Muito bom. Estava com saudades. O Vlad fala que vou querer usar todas as referências do que li e vi de uma vez só. E eu estou muito ansiosa porque estou em dois filmes de dois grandes amigos que estreiam agora. Fiz Marighella, do Wagner Moura, e Medida Provisória, do Lázaro. Quando falei para o Lázaro que queria estar no filme, disse que aceitaria qualquer tarefa, mesmo que não atuando.

Mas ele me deu o presente de interpretar a Isabel, essa personagem que é o oposto de tudo que eu acredito como ser humano. Mas o grande mérito é que o Lázaro mostra a vilania dela com humor, fazendo a gente rir em vez de chorar. Quando filmamos, ainda não tínhamos vivido tanta tristeza, mas já existia uma indignação.

Aí veio a pandemia e o confinamento aproximou ainda mais nossa realidade com o que o filme mostra. E a resistência que surgiu aos absurdos também aparece na ficção. É assustador mas, ao mesmo tempo, mostra que dá para a gente conversar com quem não pensa exatamente igual, dá para nos unirmos. A humanidade resiste e isso nos deve nos encher de esperança.

 

Foto: Nana Moraes

Fonte: https://claudia.abril.com.br/famosos/adriana-esteves/

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