Antes de formalizar o convite para Agnes Brichta participar de um teste para o papel de Martina, de “Quanto mais vida, melhor”, o produtor de elenco da nova novela das sete da Globo consultou o pai da moça. Não que ela precisasse da autorização de um responsável para o trabalho, já que tem 24 anos de idade. A questão era que a personagem vem a ser filha de Neném, feito justamente por Vladimir Brichta. Ou seja: a relação familiar entre os dois atores se repetiria na ficção.
— Guilherme Gobbi me disse que tinha visto uma apresentação on-line de Agnes, sem saber quem ela era. E achou que ela se encaixaria bem no papel. Depois que descobriu o nosso parentesco, me perguntou se eu teria algum problema com essa situação. Respondi: “Olha, eu nunca pediria para escalarem minha filha pra um trabalho, mas também não pediria para não escalarem”. Não abro a porta, mas também não vou fechá-la. Se acontecer, será uma conquista dela — conta Vladimir.
Agnes, que chamou atenção do profissional ao interpretar um monólogo de fim de curso da Casa das Artes de Laranjeiras (CAL), foi aprovada no teste da emissora. Amanhã, ela estreia como atriz aos olhos do público, na novela escrita por Mauro Wilson, sob direção artística de Allan Fiterman.
— Estou muito ansiosa, em contagem regressiva há muito tempo! Esse é o meu primeiro trabalho pra valer — afirma ela, ciente dos bônus e dos ônus por ser herdeira do talentoso e querido ator: — Tenho a chance de trabalhar com alguém que eu admiro demais. É uma delícia trocar com meu pai, eu me sinto muito à vontade! Por outro lado, sei que existe uma expectativa maior por causa do meu sobrenome, as pessoas podem se mostrar mais críticas. Mas essa atenção dobrada é boa, gera mais curiosidade sobre o meu trabalho. O público vai mirar em mim e eu preciso mostrar a que vim.
Pai e filha começaram a gravar juntos há um ano, ainda sob protocolos rígidos de segurança, por causa da pandemia da Covid. O resultado dessa interação em cena, eles só vão conferir agora, junto com os telespectadores de “Quanto mais vida, melhor”.
— Confesso que tem fichas que só vão cair quando eu vir a novela no ar. No set, mantive uma conduta muito profissional com Agnes. Se tivesse feito diferente, seria até desrespeitoso com os outros colegas. Criamos um ambiente tranquilo de trabalho nos estúdios, e em casa a gente debatia, conversava, trocava impressões… — detalha Vladimir, que pela primeira vez em duas décadas de carreira televisiva passa pela experiência de estrear uma novela totalmente pronta: — Gravar 161 capítulos sem poder ver como estão ficando foi um desafio. Agora que terminei, posso dizer que estou feliz por ter passado por essa loucura, mas não desejo que volte a acontecer nem comigo nem com ninguém. Novela é um produto que funciona muito bem como obra aberta: os atores gravando, os capítulos indo ao ar na sequência e a gente sendo afetado pelo olhar do público e da gente mesmo.
Ano passado, mesmo com os atrasos na finalização de “Amor de mãe”, em decorrência da crise sanitária mundial, o ator decidiu emendar as duas novelas, sem descanso, seduzido pela atmosfera leve e bem-humorada da trama das sete.
— O bacana de fazer “Quanto mais vida, melhor” é poder divertir as pessoas. Vim de um drama bem realista das 9 e portei numa comédia lúdica das 7, do tipo que eu não fazia há muito tempo. Sou um ator que gosta de construir, ousar, mas não quis mexer no Neném para não correr o risco de errar. Quero que ele chegue às pessoas da melhor maneira possível, quero muito que dê certo. Arrancar risadas neste momento ganhou um contorno sagrado — acredita.
Neném é o apelido de Luca Marinho, um carioca nascido e criado na Tijuca que já fez muito sucesso como jogador de futebol no Flamengo, na seleção brasileira e até em times da Europa. A carreira foi ofuscada pelas noitadas, regadas a bebedeiras, e pelo declínio da forma física. Endividado, ele foi obrigado a voltar a morar com a mãe, Nedda (Elizabeth Savala), com suas filhas e suas duas ex-mulheres: a primeira, Jandira (Micheli Machado), namorada de infância, com quem teve Martina; e a segunda, Betina (Carol Garcia), com quem teve Bianca (Sara Vidal). Seu empresário, Osvaldo (Marcos Caruso), a quem considera como pai, tenta nova oportunidade para que o ex-esportista volte aos gramados.
Por coincidência, meu personagem tem o mesmo nome e características parecidas com o meu primeiro ídolo do futebol, que, ao mesmo tempo, é um dos meus maiores heróis da TV: Luca, interpretado por Mário Gomes em “Vereda tropical” (1984). Eu era louco por essa novela! Cheguei a sonhar em seguir carreira no futebol por causa dela — revela o mineiro de nascimento e baiano de coração, de 45 anos, torcedor fanático do Bahia, que garante não fazer feio em campo: — Em Salvador, a gente chama “pelada” de “baba”. Eu já bati muita baba com os amigos na juventude e continuei depois, quando vim morar no Rio, com os colegas do meio artístico. Não sou um perna de pau, mas estou longe de ser um craque (risos).
Nos lances mais elaborados na novela, o ator é substituído por um dublê, assim como Agnes, já que Martina, mais chamada de Tina, tem o pai como ídolo e sonha seguir a carreira dele. A estudante também herdou a personalidade estourada de Neném e não leva desaforo para casa
— Ela é uma garota muito forte, decidida. Eu, como boa libriana, não sou nada assim. E Tina é mais nova do que eu, está prestes a completar 18 anos. As certezas que ela tem na vida eu não consegui adquirir até hoje. Admiro muito essa garra, esse peito aberto que ela tem — analisa Agnes, que torcedora do Flamengo, diz só se ligar de verdade quando o Brasil participa das Copas do Mundo.
Na preparação para a novela, ela contou com aulas do ex-jogador do Botafogo e do Grêmio Jamir Gomes, consultor da produção para assuntos futebolísticos:
— Em comparação à performance que eu apresentava com a bola, antes desse trabalho, diria que estou muito bem em campo (risos). Como sempre fui nerd do colégio,a parte da Educação Física ficava em segundo plano, fiquei devendo nela por muitos anos (risos).
Assim como Tina, Agnes sempre teve no pai uma referência. Adriana Esteves, de 51 anos, casada com Vladimir desde 2006, também contribuiu muito para a paixão da enteada pela dramaturgia.
— Tenho dois grandes exemplos de atores em casa. Ver o talento e a dedicação deles me inspira. Mas eles nunca fizeram questão que eu seguisse a carreira, não levantaram bandeira. Comecei a estudar teatro com 5 anos, por escolha própria — afirma a moça, dizendo guardar com carinho na memória a novela “Kubanacan” (2003), de cujo elenco Vladimir e Adriana participaram, antes mesmo de se relacionarem: — Eu era muito pequena quando a trama foi exibida, a ponto de não entender como meu pai poderia estar dentro da TV e na sala de casa ao mesmo tempo (risos). Mas ficava vidrada. Virei fã do casal que eles formavam e fiquei decepcionada porque não terminaram juntos. Eles ainda nem namoravam na realidade, mas eu torcia por um final feliz romântico na ficção.
Vladimir diz que Agnes é “o caso clássico da criança que faz da família seu público” para apresentações amadoras de teatro e dança:
— Como pai, eu sempre fui encantado com isso. E me perguntava se era só o meu olhar coruja ou se ela realmente levava jeito pra coisa. Sempre achei Agnes muito sensível e talentosa, é uma opinião minha e cabe aos outros também julgar. Mas, acima de tudo, eu tenho certeza de que ela é vocacionada. Minha filha é muito dedicada, se aprofunda em tudo o que faz. Eu acho esse comprometimento muito bonito. Também sou assim, da mesma forma que percebo isso na Adriana.
Enquanto Agnes identifica a postura reflexiva e pacífica como ponto em comum com seu pai, ele adiciona na lista semelhanças físicas, como o formato do rosto e a proporção corporal, além do olhar bem-humorado sobre o mundo.
— Eu percebo poesia e graça nela. Ao mesmo tempo que somos comunicativos, não saímos por aí falando sobre intimidades, sabe? Somos reservados. Isso não é uma qualidade nem um defeito, é só uma característica nossa mesmo — assinala o ator.
Da genitora, a cantora Gena Karla Ribeiro — que morreu em 1999, vítima de Porfiria, uma doença provocada por um problema na produção da hemoglobina no sangue —, a sergipana herdou os cabelos cacheados e o talento para a música: Agnes canta, compõe e toca ukulele.
— Conheço minha mãe por fotos e histórias que me contam sobre ela. Lembranças, não tenho, eu tinha só 2 anos quando ela se foi. Meu tio z que ela não era muito alta, mas que no palco ficava enorme! Essa é a imagem mais linda do mundo pra mim — emociona-se a atriz, que também está prestes a se formar em Psicologia.
Em 2001, quando iniciava sua carreira na Globo, na novela “Porto dos Milagres”, e tinha a mesma idade que Agnes tem hoje, Vladimir travou uma batalha judicial com Maria Eugênia Ribeiro, avó materna de sua primogênita, pela guarda da então menina. O caso ficou conhecido nacionalmente.
— Eu era muito criança, entendia pouco o que estava acontecendo. Mas tanto meu pai quanto minha avó fizeram de tudo pra ficar comigo. Querendo ou não, essa disputa era um sinal de amor, eu me sentia muito amada — afirma Agnes, que adotou o hábito de visitar a avó duas vezes por ano,nas férias: — Durante a pandemia, quebrei esse costume, até por cuidado com a saúde dela. Mas a gente está sempre em contato, temos uma relação ótima. Ela está animadíssima para assistir à novela!
A atriz mora no mesmo apartamento que o pai; a mãe — assim ela chama Adriana desde a infância; o irmão Vicente, de 15 anos, fruto da união do casal; e o músico Felipe Ricca, de 21, filho de Adriana com o também ator Marco Ricca.
— Agnes tem o privilégio de contar com duas figuras maternas na vida dela. Uma guardada no imaginário, no subconsciente e na genética; e a outra, uma das maiores atrizes deste país, que sempre se fez uma mãe presente e extremamente dedicada, aberta ao diálogo e ao amadurecimento dela. É um super privilégio ter essa dinâmica dentro de casa, envolta num grande amor! — exalta Vladimir.
Bate-bola com Vladimir
Aos 45 do segundo tempo
“Com trabalho, eu nunca procrastinei, sempre fui muito pontual e organizado. Mas pra muitas outras coisas eu enrolava, enrolava… Hoje, é raro eu deixar pra cima da hora. Se eu deixar, é porque estou gravando muito (risos)”.
Deixado pra escanteio
“Eu não sou tímido. Não sou tão extrovertido em lugares estranhos, mas sempre me enturmei bem”.
Partir pro abraço
“Sou um cara carinhoso; com meus filhos, principalmente. E senti muita falta desse contato com os amigos durante a pandemia. Ainda não voltei a abraçar todo mundo como eu queria, mas já melhorou”.
Ataque ou defesa?
“Normalmente, eu não ataco. Mas numa situação-limite, me mostro reativo. Sou uma pessoa pacífica, não bato boca em discordâncias com os outros. Mas, se me pressionarem, eu reajo”.
Bola fora
“Eu já cometi mais gafes na vida. Confundir os nomes das pessoas, por exemplo, é uma coisa que me incomoda muito. Atualmente, a chance de eu errar é pequena, fico muito atento”.
Gol de placa
“No lado profissional, o filme ‘Bingo — o Rei das Manhãs’. Ter escolhido a profissão de ator também foi um golaço. Acho que eu não seria tão realizado nem faria tão bem se estivesse em outra carreira. Minhas escolhas afetivas também foram certeiras”.
O importante é competir ou ganhar faz toda a diferença?
“Sempre aceitei bem as derrotas, lidei com bom humor, não foram traumáticas. Desde criança, aprendi que vale mais a competição do que a vitória. Existe um valor na coletividade que faz toda a diferença na vida. É melhor fazer parte de um time do que querer se destacar e viver a solidão de ser o primeiro”.
Jogo rápido com Agnes
Aos 45 do segundo tempo
“Eu sou muito organizada, não deixo nada pra cima da hora”.
Deixada pra escanteio
“Já passei por isso. A arte ajudou a me soltar um pouco, mas também aceitei que estava tudo bem com meu jeito quietinho. Timidez não é o fim do mundo”.
Partir pro abraço
“Não sou muito dengosa, não. Nunca fui de beijar, abraçar e pegar nas pessoas. Mas a pandemia acabou mudando isso um pouco, estou sentindo falta desse contato (risos)”.
Ataque ou defesa?
“Eu costumo ficar mais na defesa. Evito conflitos ao máximo”.
Bola fora
“Não reconhecer pessoas queridas por estarem de máscara”.
Gol de placa
“Ser chamada para essa novela!”.
O importante é competir ou ganhar faz toda diferença?
“O importante é competir, sempre”.
Foto: Márcio Frias