Início Adriana Esteves Amoralidade é matéria prima do incômodo e honesto “Canastra Suja”

Amoralidade é matéria prima do incômodo e honesto “Canastra Suja”

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Adriana Esteves

 

Dono de uma veia experimental e cioso de um cinema que busca tanto a reflexão como a inquietação, Sóh filma seus atores como um John Cassavetes cheio de adrenalina. Os ângulos incomuns, os closes abruptos, a nudez espurcícia ajudam a tornar “Canastra Suja” algo tão premente quanto hipnótico.

Batista (Marco Ricca, esplêndido) é alcoólatra. Ele começa a frequentar um grupo de alcoólatras anônimos por pressão familiar. O grupo é liderado pelo dentista para o qual sua filha Emília (Bianca Bin) trabalha. Patrão que ela seduz e mantém como uma carta na manga caso seu namoro com Tatu (David Junior) não dê certo. Tatu, por seu turno, tem um caso tórrido com a mãe de Emília (Adriana Esteves), que passa seus dias cuidando da filha Rita (Cacá Ottoni), que tem um elevado grau de autismo. Há, ainda, Pedro (Pedro Nercessian), que não quis estudar e reluta em trabalhar e frequentemente se flagra em atrito com pai.

Está mais do que claro de que se trata de uma família para lá de problemática como tantas outras. Mas o trunfo de “Canastra Suja”, para além de desbravar cada um de seus personagens é irrigar o poço de contradições que é ser humano com algumas situações bem arquetípicas, mas muitíssimo bem estruturadas.

O filme quer incomodar e não se incomoda em usar de subterfúgios narrativos, alguns brilhantes outros nem tanto, para alcançar esse objetivo. Na esteira desse movimento, se resolve como uma crônica algo absolutista sobre o famigerado “jeitinho brasileiro”. Não obstante, se afigura como uma elaborada análise de como o ser humano costuma agir quando está contra a parede.

A ideia de devassar um núcleo familiar, e dele expandir o escopo para uma classe social, sociedade e , finalmente, cultura é ousada e bem manipulada pelos artifícios adotados pelo cineasta, cujo último filme é o irregular “Por Trás do Céu”, que também trazia questões filosóficas e antropológicas em seu cerne.

Bianca Bin que acaba de chamar muita atenção como Clara na novela “O Outro Lado do Paraíso” tem aqui um momento iluminado como essa jovem que pensa em deixar da vida problemática que avalia ter pela espiral do casamento. Expressiva, no gestual e no olhar, Bin sequestra o filme para si sempre que está em cena. Adriana Esteves também tem momentos de puro frenesi e Nercessian encontra o tom perfeito para enquadrar um tipo que quer ser malandro, mas não tem talento para isso.

O filme termina ao som de Evidências , a emblemática música de Chitãozinho e Xororó. E quando a canção surge no melancólico, mas de alguma maneira solar, final, “Canastra Suja” se ressignifica completamente. Não que a amoralidade que norteara os personagens até então tenha se eclipsado, mas aquele momento afere uma humanidade que opcionalmente havia sido afastada pelo cineasta até aquele momento. É um final tão memorável em sua simplicidade, em sua eloquência despercebida, que potencializa os efeitos dramáticos pretendidos pelo filme.  Um dos melhores a estrear no Brasil em 2018.

 

Fonte: http://gente.ig.com.br/cultura/2018-06-18/canastra-suja.html

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