No mundo real, ninguém é totalmente bom ou mau. Somos humanos, passíveis de erros e acertos. Por que, então, na ficção, seria diferente? As telenovelas têm apostado em personagens cada vez mais realistas, vilões capazes de se regenerar e mocinhos que se envolvem em armações, crimes e até mortes.
E há aqueles atores capazes de transitar entre maldades e bondade com igual talento, como Adriana Esteves. Intérprete de grandes vilãs como Carminha, de Avenida Brasil (2012), ela se destaca por cativar o público, mesmo ao cometer atrocidades em cena.
Amor de Mãe é o exemplo perfeito dessa nova safra de novelas sem maniqueísmo (doutrina que se funda em princípios opostos, bem e mal). Até mesmo as matriarcas da trama cometem falhas imperdoáveis.
É o caso de Thelma, interpretada por Adriana Esteves. A mais intensa das protagonistas do folhetim sempre mostrou algumas falhas de caráter, principalmente no que diz respeito ao filho, Danilo (Chay Suede).
Aos poucos, a teia de mentiras de Thelma vai se desenrolando. A essa altura da história, todos já sabem que foi ela quem comprou Domênico, o filho perdido de Lurdes (Regina Casé).
No passado, o verdadeiro Danilo morreu no incêndio que vitimou seu pai, deixando uma então jovem mãe desesperada. No auge do sofrimento, apareceu a chance de comprar uma criança da mesma idade. É claro que, à época, Thelma jamais poderia imaginar que se tornaria amiga de Lurdes.
A “quase-vilã” será capaz de matar para manter esse segredo enterrado. Rita (Mariana Nunes), mãe biológica de Camila (Jéssica Ellen), irá para o Rio de Janeiro em busca de uma aproximação com a filha.
Nesse meio tempo, revela que conhece o enfermeiro que intermediava as negociações de Kátia (Vera Holtz). Antes que a mulher conte o que sabe a Lurdes, Thelma a atropela sem dó nem piedade no capítulo previsto para ir ao ar na próxima quinta-feira.
Maldade pura?
Seria Thelma, neste caso, a grande vilã da novela das nove? Não necessariamente.
O amor de mãe que beira a loucura está no limite da maldade, mas há certa coerência nas atitudes dessa personagem. E são essas nuanças que Adriana mostra com total maestria.
Em simples olhares e gestos, desde o início, foi possível perceber que havia algo de muito errado com Thelma. Se ela merece perdão depois de tudo o que fez, só a autora Manuela Dias poderá dizer lá no final da história. Mas Thelma já ganhou um lugar na lista de grandes interpretações da atriz.
“Procuro me preparar estando aberta”
Em meio à correria das gravações de Amor de Mãe, Adriana achou um tempo para falar com Retratos da Fama.
É mais difícil fazer uma vilã que se regenera, como a Carminha, ou uma “boazinha” que se mostra capaz de cometer crimes, como a Thelma?
Sempre é difícil. Mas o trabalho não é sozinho. Se a personagem, mesmo que se transforme, vem escrita com coerência pelo autor, tudo se pode contar.
Quando recebe as primeiras informações sobre uma nova personagem, já imagina se vai levá-la mais para o lado da vilania ou da bondade? Ou, como no caso de Thelma, se prepara para uma virada?
Em novela, procuro me preparar, estando sempre aberta para tudo que possa ocorrer ou se transformar.
Rainha do deboche
Irônica, debochada, sem pudor nem pena de passar por cima dos inimigos. Assim era Laureta, personagem de Adriana em Segundo Sol (2018). A cafetina formou uma trinca de maldade com Karola (Deborah Secco) e Remy (Vladimir Brichta), entre armações e crimes.
No final da trama, a descoberta de que Laureta era mãe de Karola — revelando que ela obrigou a filha a se prostituir — alçou a vilã a um patamar mais cruel de maldade.
Para completar, Lau acabou, mesmo sem querer, assassinando Karola. Motivos de sobra para um desfecho terrível, certo? No entanto, o último capítulo reservou surpresas.
Laureta saiu da cadeia pouco tempo depois linda, loira, mais sarcástica e prestes a entrar na política. O slogan da candidata fechou com chave de ouro sua atuação memorável: “Laureta no poder, garantia de prazer”. E Adriana na TV é garantia de sucesso.
Tão cruel e tão popular
Carminha, de Avenida Brasil, não poderia ficar fora dessa lista. No ar no Vale a Pena Ver de Novo, a reprise proporciona a chance de vermos Adriana em dose dupla na Globo. Culpa da Rita ou não, o sucesso de Carminha junto ao público é incomparável na história da teledramaturgia.
Afinal, o que faz uma vilã tão cruel também ser uma das mais populares e queridas?
O carisma de sua intérprete somado ao talento são alguns dos ingredientes da personagem.
Ao longo da história, o autor João Emanuel Carneiro justificou as atitudes da vilã. Carminha carregava traumas de uma infância sofrida, tanto quanto Nina (Débora Falabella).
No último capítulo, as inimigas zeraram suas desavenças do passado. E, se o destino de Carminha está longe de ser considerado feliz, pelo menos, a tornou mais humana.
Em Babilônia (2015), Beatriz (Gloria Pires) armou um golpe quase perfeito para fisgar o milionário Evandro (Cassio Gabus Mendes). Ela só não contava com uma rival tão sem escrúpulos como ela.
Amiga que nunca se conformou por ter sido humilhada por Beatriz no passado, Inês (Adriana Esteves) conseguiu provas de que a “amiga” traía o futuro marido e passou a chantageá-la. Começou assim uma relação de ódio e, como diz o ditado, “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”.
Se Beatriz nunca foi santa, tampouco a falsa amiga. Um duelo de grandes atuações e cenas inesquecíveis. Quem não se lembra de Beatriz tentando dispensar a convidada com a frase emblemática “Não estou disposta”?
Renata Sorrah fez de Nazaré uma vilã inesquecível, mas quem deu o pontapé inicial nas vilanias da personagem foi Adriana, que interpretou a pilantra na primeira fase de Senhora do Destino (2004).
Em poucos capítulos, a atriz conferiu o toque perfeito à megera já com os primeiros traços da loucura e vaidade que marcaram a personagem. Não à toa, Adriana e Renata se reencontraram em Segundo Sol, como mãe e filha: Dulce e Laureta, respectivamente.
Maldade e humor
Amelinha foi o grande obstáculo para o amor de Edu (Fábio Assunção) e Clara (Helena Ranaldi) em Coração de Estudante (2002). Assim como outras vilãs interpretadas pela atriz, esta mesclava maldade e bom humor com tanta ironia que chegava a ser cômica. Um tipo ideal para a leveza da trama no horário das 18h.
Apesar das armações e atitudes preconceituosas, Amelinha, teve um final feliz com Nélio (Vladimir Brichta). Mal sabiam eles que se tornariam marido e mulher na vida real.
Só no sapatinho
Jeitinho de menina e um toque de malícia compunham Sandrinha, de Torre de Babel (1998). A pilantra deu o golpe do baú, humilhava a irmã deficiente física e pisava em todo mundo, “só no sapatinho”, como dizia a música-tema da personagem.
Na infância, Sandrinha viu o pai matar sua mãe. O troco em Clementino (Tony Ramos) foi, por isso, explosivo. Para incriminar o pai, a vilãzinha planejou a destruição do shopping Tropical Tower, vitimando vários inocentes.
Em seu primeiro papel de destaque, Adriana não foi unanimidade. A performance como Mariana em Renascer (1993) foi alvo de críticas, o que chegou a levar a atriz à depressão e fazê-la pensar em desistir da carreira. Por sorte — dela e nossa — deu a volta por cima, e o resultado está aí: no ar até hoje com várias premiações e elogios.
Aos 23 anos na época da novela de Benedito Ruy Barbosa, Adriana foi um dos destaques da história. O romance com José Inocêncio (Antonio Fagundes), friamente calculado em nome de uma vingança familiar, causou estranhamento. Quase 30 anos depois, a atriz provou que não há nada como um dia depois do outro. E que veio para ficar.
Foto: Reprodução TV Globo