Três fábulas morais compõem o espetáculo “Tudo”, que traz o olhar do diretor Guilherme Weber para a obra do dramaturgo argentino Rafael Spregelburd. A peça, que fez sua pré-estreia no 30º Festival de Curitiba tem em seu elenco, Julia Lemmertz, Dani Barros, Vladimir Brichta, Claudio Mendes e Márcio Vito.
Para Weber, Spregelburd é uma das vozes mais originais da dramaturgia contemporânea, atento às questões latino-americanas, mas com olhar profundamente universal e humano. Ele comenta, “Montá-lo no Brasil é, certamente, também uma compreensão de nossa identidade como latino-americanos, atravessada pela história do continente. O Brasil, pelo seu tamanho e pluralidade, é uma espécie de lente de aumento dos impasses da problemática latino-americana; uma espécie de fantasma no qual todo o continente vê seus medos e desejos”.
As fábulas levadas à cena investigam o indivíduo em confronto com o poder a partir de três perguntas. A primeira (“Por que todo Estado vira burocracia?”) apresenta um grupo de funcionários vivendo suas rotinas em uma repartição pública, quando começam a questionar valores impostos e alguns comportamentos absurdos. A segunda (“Por que toda arte vira negócio?”) mostra os convidados de um jantar de natal que dão início à ceia somente após uma contundente discussão sobre valores absolutos e particulares do pós-modernismo. A terceira (“Por que toda religião vira superstição?”) traz um casal e seu filho recém nascido que fica doente em uma noite de tempestade. “Situar no Brasil estas fábulas morais é ressignificar, sob a ótica nacional, as contradições de nossa identidade e o surrealismo da obra de Spregelburg”, observa Weber.
Em “Tudo”, as cenas se apresentam como perguntas sobre a transformação ideológica que qualquer sociedade passa. Ao tentar construir respostas, os personagens e os espectadores se deparam com temas como o absurdo das regras que definem um determinado grupo social, a dissolução das palavras e seus significados, a ausência de Deus e a inexorável presença da morte.
“Toda pergunta sobre ideologia implica uma estreita relação com o conceito de cidade/ comunidade. O que é que em um determinado momento torna-se a “identidade” de um povo? E o que a história faz aos povos? Acreditamos que nossa identidade é casual? Somos uma solidariedade partilhada perante o temor dos nossos colapsos coletivos?”, pontua o diretor.
Aliás, “Tudo” adquire, às vezes, o valor de um manifesto, mas que visa efeitos sensoriais e ambíguos e em nenhum momento cai na armadilha da arte que faz do discurso e do didatismo sua meta explícita. Além disso, a peça é uma comédia apresentada em ritmo de farsa.
Cientes da função da comédia em espelhar este momento complexo da nossa sociedade, os personagens destas fábulas vão nos fazer rir para castigar costumes.