Para quê fazer cinema no Brasil, se o circuito exibidor trata a maioria dos filmes (os que não são derivados/produções de TV) com tanto desrespeito? Tudo bem que a fila precisa andar, levando em consideração a quantidade gigante de lançamentos. Mas a verdade é que os filmes brasileiros não estão sendo lançados; estão sendo arremessados. Muitos só encontram um único horário e se são lançados em cinema de shopping só duram mesmo uma semana em cartaz e pronto. Não há tempo para o boca a boca. Trata-se, infelizmente, do caso de “Canastra Suja”, terceiro longa de Caio Sóh, cineasta que não consegue projeção nacional porque seus filmes não chegam aos cinemas de todo o país.
“Canastra Suja”, em particular, tem gerado um clamor justificado, pois se trata de um filme que tem despertado muitas paixões. Há, claro, o caso de algumas críticas negativas, em especial uma famosa publicada no jornal O Globo, e que alguns dizem ser responsável pelo fracasso comercial do lançamento, mas há, sem dúvida, pouco recurso para contra-atacar com marketing, já que as imagens de divulgação são de arrepiar, muito atraentes para quem não viu e muito significativas e emocionantes para quem já viu o filme.
Mas falemos do filme em si, que já começa com uma câmera subjetiva de alguém adentrando uma casa humilde. Mais tarde, a história retoma a este ponto. Assim, logo em seguida, somos convidados a conhecer os dramas dos habitantes daquela casa, o pai Batista (Marco Ricca), a mãe Maria (Adriana Esteves) e os filhos jovens Emília (Bianca Bin) e Pedro (Pedro Nercessian) e a adolescente especial Ritinha (Cacá Ottoni). Entre os demais personagens importantes, há que se destacar o amigo da família Tatu (David Junior), namorado de Emília.
Batista é alcoólatra e está tentando deixar o vício, e tem a intenção de levar o filho a seguir seus passos no trabalho de manobrista, já que o rapaz não quer saber de estudar e nem tem nenhuma formação profissional. Em clima de desgraça pouca é bobagem, mas também trazendo muito humor diante dos percalços de seus personagens, o filme vai aos poucos levando-os a uma espiral de descida aos infernos, com seus dramas se acentuando cada vez mais.
O diretor e seu elenco têm a habilidade de manter a trama envolvente, por vezes divertida (como não se divertir com as cenas de Pedro e Tatu em um clube muito especial?), mas por vezes devastadora. Daí, as várias semelhanças que alguns críticos têm feito com a obra de Nelson Rodrigues, embora do ponto de vista do cinema possamos lembrar tanto do neorrealismo italiano (“Rocco e seus Irmãos”!) quanto do cinema brasileiro dos anos 1970 e 1980, quando os nossos filmes tinham de fato a intenção de destoar das telenovelas. no que se refere à exploração e explicitação dos problemas sociais. Aliás, falando em telenovelas, que bom que é poder ver Bianca Bin, uma atriz linda e talentosa, saindo um pouco da TV e enriquecendo o nosso cinema.
O longa foi feito de forma bastante independente. Até a distribuidora é desconhecida, provavelmente própria. O elenco ajuda com a produção e o simbolismo da cena do karaokê é representativo deste espírito de união da equipe para a realização da obra.
Assim, chegar até o final da narrativa é chegar a um ponto de extravasamento das emoções, acumuladas diante de tantas situações ruins vividas por aqueles personagens de quem aprendemos a gostar em pouco tempo de metragem, mas também pelas dificuldades econômicas da produção. Por isso é fácil entender a aposta que todo o elenco fez no filme, abrindo mão de seus cachês por acreditar na proposta de Sóh. Agora é torcer por ao menos uma maior visibilidade nos serviços de streaming. O importante é que este filme seja visto. Muito visto.