Sucesso de público em 2014, quando levou um milhão de espectadores às salas brasileiras, o favela movie “Alemão” ganhará uma espécie de continuação não convencional ainda neste ano — as filmagens chegaram ao fim no último dia 10, no Rio.
Não convencional porque os elementos que unem aquele filme com “Alemão 2” são basicamente a permanência do diretor José Eduardo Belmonte , da personagem Mariana (vivida pela atriz Mariana Nunes), e do Complexo do Alemão como ambiente retratado.
— Existe, claro, uma parte estética que se mantém, assim como dispositivos narrativos particulares do gênero de ação. Mas acho que esse filme é mais profundo. O filme de gênero ajuda porque é um contrabando: você consegue trazer atenção porque as pessoas gostam desse tipo de filme, e dá para enxertar drama nisso — explica Belmonte, de 49 anos, que trabalha no novo longa desde que encerrou os trabalhos no primeiro. — Pensamos em retornar com o Cauã (Reymond) , com o (Antonio) Fagundes, mas vimos que a grande continuidade vinha do tema e do próprio Complexo do Alemão. Esse era o personagem principal.
Produzido pela RT Features, de Rodrigo Teixeira, e com orçamento superior ao original, “Alemão 2” traz em seu elenco nomes como Leandra Leal , Vladimir Brichta , Zezé Motta , Gabriel Leone e Aline Borges . O filme traz como foco temático a falência das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) no Rio, nove anos após a operação quase cinematográfica que prometia trazer paz ao Complexo do Alemão.
Na trama assinada por Marton Olympio e Thiago Brito, que se passa basicamente num intervalo de dois dias, o traficante Soldado (Digão Ribeiro), que assumiu o comando do morro, é capturado por um grupo formado pelos policiais civis Machado (Brichta), Freitas (Leandra) e Ciro (Leone), numa operação supervisionada pela delegada Amanda (Aline). Os policiais acabam sofrendo uma emboscada armada pelo chefe da facção rival e passam a ser perseguidos pelos traficantes.
Diferentemente do primeiro, por uma questão de segurança, “Alemão 2” não pôde ser filmado no complexo que lhe dá nome. Segundo Belmonte, o filme precisou ser rodada em “partes específicas de comunidades específicas”.
— A UPP era uma apontamento que você podia ter um outro tipo de relacionamento entre polícia e população, que era positiva. Mas, na prática, a política de segurança pública permaneceu no mesmo lugar, tendo a lógica da repressão como estratégia, e as coisas foram ficando piores — opina o cineasta, que, entre os filmes, fez ainda a série de ação “Carcereiros”, na Globo.
Reencontro após ‘Bingo’
Não faz muito tempo desde que vimos os amigos de longa data Leandra Leal e Vladimir Brichta contracenando num filme nacional. Eles fizeram par em “Bingo: O rei das manhãs” (2017), inspirado na história do palhaço Bozo e escolhido daquele ano para representar o Brasil no Oscar naquele ano. Além disso, na televisão, estiveram juntos na série “Justiça”.
Agora, porém, encaram uma ação diferente, muito mais física. E, em comum, além da admiração mútua, os atores mostraram uma preocupação com o tom que o filme adotaria desde que receberam o convite de Belmonte.
— De cara eu pensei que tinha que ler o roteiro, porque fazer um favela movie não me movia muito, mas um filme de ação, sim. Era inusitado me escalarem para isso — revela Leandra, que volta a trabalhar com o cineasta após o drama “Se nada mais der certo” (2008). — Por fim, achei oportuno falar sobre política de segurança neste momento. E a polícia é representada de uma forma muito plural. Tem o cara que é mais louco, violento, o cara corrupto, a personagem idealista, o cara que acreditou naquilo mas está cansado e continua lá… Sem estereótipo de vilão e herói.
Leandra revela que sua personagem, Freitas, é a policial idealista, que vê função social no que faz. Ela está na corporação há um tempo e decide participar pela primeira vez de uma operação prática:
— Ela quer mudar a forma como as coisas são feitas, mas, quando se confronta com a realidade, com a prática, acaba cruzando fronteiras morais dentro dela, se deparando com o medo, e vê que não consegue fazer diferença.
O Machado de Vladimir Brichta, por sua vez, é o policial que está cansado daquela rotina, que tem dores, anda sempre dopado por remédios e que está prestes a ser pai, mas não sabe como lidar com aquela situação. O ator conta que um incidente da vida real quase o tirou do filme, mas acabou ajudando-o ao incorporar o personagem:
— Eu tive um problema grave no pé recentemente, precisei fazer uma cirurgia e botar pinos. Cheguei a achar que não conseguiria. Mas, no fim, as dores foram suportáveis e consegui imprimir esse lado mais sofrido que Machado exigia.
“Alemão 2” é o primeiro filme de Brichta desde o sucesso de “Bingo”. Nesse meio tempo, ele fez duas novelas e duas séries de televisão. Enquanto nega que esteja focado apenas em grandes produções no cinema (“foi uma agradável questão de oportunidade”, ele traça um paralelo entre Bingo e Machado:
— Eu criei uma correlação porque tanto o palhaço quanto o policial têm essa questão de criar fascínio e assombro em crianças, dependendo do ponto de vista e do tom impresso. Foi uma experiência muito prazerosa ir de um personagem ao outro.