”Tem gente que nasceu para ser formiga, tem gente que nasceu para ser cigarra. Nós nascemos para ser mariposas. Adoramos a luz.” O recado de Marta (Ana Lúcia Torre) ao filho Augusto Mendes (Vladimir Brichta) mostra o pendor da família para viver sob os holofotes. Ela é atriz, jurada e ex-vedete. Ele é um ator de pornochanchadas que sonha com o sucesso em telenovelas de um grande canal de TV. No entanto, foi detrás de uma máscara que Augusto Mendes conseguiu reconhecimento, quando se transforma em Bingo, um palhaço e apresentador de um programa infantil na televisão.
Com essa trama baseada na vida de Arlindo Barreto, um dos intérpretes do palhaço Bozo, programa que ia ao ar nas manhãs do SBT/Alterosa na década de 1980, chega nesta quinta, 24, aos cinemas Bingo — O rei das manhãs, estreia na direção de longas do montador Daniel Rezende (Cidade de Deus, Tropa de elite).
O nome original do personagem não pode ser utilizado no filme devido a uma questão de direitos autorais. A única personagem retratada na telona de modo idêntico à história reconstituída é a cantora Gretchen, interpretada por Emanuelle Araújo. ”É uma dramatização da vida do Arlindo, e ele colaborou muito conosco; foi muito aberto e generoso. Realmente, ele confiou na gente e abriu a sua vida. Mesmo assim, foi muito difícil esse processo, porque é complicado fazer um filme sobre alguém que está vivo. Apesar de ser uma obra de ficção, a gente tinha que respeitá-lo. Mas, no fim das contas, Arlindo gostou muito e isso já valeu a pena”, afirma o diretor.
FILHO Fascinado com os bastidores da TV e com a cultura pop dos anos 1980, Daniel Rezende diz que foi uma tarefa árdua explorar esse universo, em paralelo à trajetória pessoal de Arlindo Barreto. ”Antes de ser um astro televisivo, ele era um ser humano como qualquer outro. Todos nós temos esses três lados: o branco, o negro e o cinza. Uma das coisas que mais me impulsionaram a levar adiante este projeto foi uma frase que li numa matéria do filho do Arlindo reclamando que ele dava atenção para todas as crianças, menos para ele. Aquilo me marcou”, revela.
Uma cláusula no contrato do apresentador o impedia de revelar sua identidade. E o fato de ser um anônimo famosíssimo é uma dualidade que foi fonte de conflitos para Arlindo muito bem explorada no filme Augusto Mendes. ”É um cara que busca o seu lugar sob os holofotes, quer aplauso, consegue comandar um programa infantil que representa felicidade, ingenuidade, mas que, por conta da máscara de palhaço, não é reconhecido. E isso é frustrante”, comenta Daniel.
A crescente frustração potencializa o envolvimento do palhaço com drogas e álcool, o que o afasta ainda mais do filho. Esse é um dos aspectos que mais fascinaram Vladimir Brichta, intérprete do protagonista. ”A alegria do palhaço é superdimensionada. Até na maquiagem ela é exagerada, com a boca e os olhos grandes. E esse sentimento surge na mesma proporção que a tristeza. É surreal, mas acontece muito. E não só nesse caso do Arlindo, especificamente. O próprio Robin Williams (1951-2014), que se matou, o Jim Carrey, que teve depressão. Todo mundo se choca e se questiona como o palhaço pode ser tão triste”, afirma o ator, nascido em Diamantina (MG), mas criado na Bahia.
Brichta diz que, de cara, se encantou pelo roteiro de Luiz Bolognesi e, principalmente, pelo personagem. As fragilidades de Augusto, sua relação complexa com o filho Gabriel (Cauã Martins) e a busca pela fama foram os elementos que mais o interessaram. ”É engraçado como essa coisa de ser famoso, o desejo do sucesso é algo que está tão em voga atualmente e de uma maneira até meio maluca. Mas, independentemente disso, o enfoque do ator é ser reconhecido. Ser anônimo e fazer sucesso é muito contraditório, e isso mexeu muito com ele. Sem contar que o instrumento do artista é o próprio corpo, sua cara, e, no caso do Augusto, isso não podia ser mostrado de jeito nenhum”, comenta a ator, que revela ter sido fã de Xuxa, Mara Maravilha e de desenhos animados na infância. ”Eu via muita TV na década de 1980, mas o Bozo mesmo eu via pouco.”
PICADEIRO Para construir seu Bingo, Vladimir Brichta se jogou literalmente no picadeiro. Fantasiado de palhaço e sem que ninguém na plateia soubesse de quem se tratava, ele se apresentou como Bacalhau em um circo de São Paulo. ”Era meu apelido de infância e por isso me batizei assim. Tive muita ajuda do Fernando Sampaio (palhaço e fundador, ao lado de Domingos Montagner, do La Mínima – Circo e Teatro)”, relata. Montagner, que morreu em setembro do ano passado, quando se afogou no Rio São Francisco na reta final das gravações da novela Velho Chico, faz uma participação especial no longa-metragem como o palhaço Aparício, que ajuda na preparação de Bingo.
Brichta, que atuou nos longas A máquina, A mulher invisível e Real beleza, classifica Bingo como o seu grande papel na telona até hoje. ”Pela complexidade, pelas camadas e a possibilidade que o Bingo proporciona, acho que é um marco na minha carreira no cinema. Vamos ver como será a repercussão. Só o tempo vai dizer. Mas acredito que nunca vivi um personagem tão amplo em suas emoções”, diz.
O papel foi originalmente escrito para Wagner Moura, amigo de Brichta, com quem dividiu o palco no espetáculo A máquina, de João Falcão, que revelou nacionalmente também o talento de Lázaro Ramos. Pela superposição com outros compromissos profissionais, Moura acabou tendo que recusar o papel e sugeriu Brichta para interpretar Bingo. A estratégia de divulgação do longa incluiu a divulgação na internet de um vídeo em que Wagner e Vladimir ”brigam” pelo papel.
”Nada acontece por acaso. Estava tudo certo que seria o Wagner, mas as coisas seguiram outro caminho. Quando me encontrei com o Vladimir pela primeira vez, vi o Augusto Mendes nos olhos dele. O filme é o Vladimir”, avalia Daniel Rezende.
Bingo – O rei das manhãs ainda traz no elenco Leandra Leal, Tainá Muller, Augusto Madeira e a participação do jornalista Pedro Bial.
O verdadeiro Bozo
Arlindo Tadeu Barreto Montanha de Andrade nasceu em Ilhéus, na Bahia, em maio de 1953. Enquanto interpretava o palhaço Bozo, na década de 1980, no SBT/Alterosa, ele se viciou em drogas. Anos mais tarde, converteu-se à Igreja Batista e se tornou pastor. Filho da atriz, jurada e ex-vedete mineira Márcia Couto Barreto (1933-1982), que ficou conhecida como Márcia de Windsor, atualmente ele faz turnês com seu espetáculo Mr. Clown, uma comédia religiosa.
Fonte: http://www.uai.com.br/app/noticia/cinema/2017/08/24/noticias-cinema,212124/com-vladimir-brichta-bingo-o-rei-das-manhas-chega-aos-cinemas.shtml