Depois de uma elogiada atuação na série Justiça, no papel do traficante Celso, o ator Vladimir Brichta, 40 anos, conversa com o CORREIO sobre sua primeira novela em dez anos, Rock Story. Nascido em Minas Gerais e soteropolitano de alma, o ator relembra sua formação no teatro baiano, ao lado de Wagner Moura e Lázaro Ramos; fala sobre contracenar com a mulher, Adriana Esteves; e sobre seu mergulho no mundo do palhaço Bozo, no filme O Rei das Manhãs.
Após dez anos sem fazer uma novela, você está vivendo seu primeiro protagonista. Por que só agora? O que esse momento representa para sua carreira?
Demorou 10 anos para eu voltar às novelas não por causa de um planejamento, um projeto meu, mas foi assim que aconteceu. Realmente, teve um momento que eu quis me reciclar um pouco, me afastei da TV por um curto projeto de tempo (depois de Belíssima/2006) e, logo depois, os projetos que surgiram foram de séries. Primeiro, o Faça sua História, depois Separação e por último Tapas e Beijos, na qual eu fiquei cinco anos. Posso dizer que fiquei afastado das novelas porque os projetos de série eram mais interessantes naquelas ocasiões. Quanto ao personagem ser protagonista é sempre uma responsabilidade maior, mas também é desafio prazeroso maior. Eu particularmente gosto dessa responsabilidade, do desafio de ter um volume grande de trabalho, de dar conta dele e explorar todas as facetas que eventualmente um personagem maior tem. Acho que eu tenho maturidade para estar nesse lugar de protagonista.
Sabemos que o roqueiro Gui, de Rock Story, não é tão santo quanto parece. O que pode nos contar sobre seu personagem e suas inspirações?
Tem uma coisa muito legal no personagem que é o fato de ele não ser o mocinho, o bonzinho, vítima das circunstâncias ou de outra pessoa. Ele é vítima dele mesmo, das confusões, do temperamento difícil dele, explosivo. Acho muito legal defender um personagem que ainda que seja heróico na história, é cheio de equívocos também. Acho que isso enriquece muito a trama. De fato, ele é um encrenqueiro, um pouco mimado, às vezes infantil… Quanto às referências, as inspirações, foram muitas. Eu vi muita coisa, filmes sobre esse universo, li algumas biografias de quem produziu e produz rock até hoje. Revi The Doors (o filme) e também ouvi muita coisa, bandas do pós-punk inglês, que incluenciaram muito o rock nacional. The Clash, The Cure, The Who, essa galera da virada dos 70, 80. E muito do rock nacional também, Cássia Eller, Renato Russo, Paulo Miklos, Chorão, Lobão… Personagens que foram muito transgressores em suas atitudes.
Em entrevista recente, você disse que é tranquilo contracenar com Adriana Esteves. O que torna isso tão fácil? Como é dividir a cena com sua mulher?
Falei que é tranquilo, mas eu quis dizer que é uma coisa boa de fazer. Não quis dizer que era fácil, nesse sentido. Não que contracenar com ela seja difícil, pelo contrário. Ela ajuda muito e, como uma das maiores atrizes da geração, tem no jogo, na troca, a fé no trabalho. Quando digo que não é tranquilo, é porque tem uma exigência da minha parte de querer fazer muito bem minha parte da cena com ela. A gente se conheceu atuando, então eu também tenho uma expectativa de fazer esse encontro dar muito certo sempre, independentemente de ser na TV, no cinema… Mas é um prazer sempre. Talvez seja até um desafio. Apesar de ter uma profunda admiração por ela, eu consegui estar ali sem o olhar de admirador, mas do colega que contracena.
Você acaba de sair de uma participação elogiada em Justiça. O que a série trouxe de diferente para sua carreira, que, por muito tempo, esteve ligada ao humor de Tapas & Beijos? Você saiu de uma zona de conforto?
Eu gostei muito da série, foi uma surpresa muito positiva. Uma série forte, com uma aceitação de todos. Acho que isso é resultado de um trabalho de direção, fotografia, elenco… Acho que foi muito acertada e gosto do resultado. Quanto ao impacto na minha carreira, as pessoas se surpreenderam porque talvez muitas delas só acompanham o meu trabalho da televisão – e isso não é um problema. É normal, há também quem só me assista no cinema, no teatro. Mas de fato quem me vê na TV nunca havia tido contato com o trabalho que não fosse pelo humor. Acho que pouquíssimas vezes fiz, como em Amor em Quatro Atos (2011), que eu contracenei com Alinne Moraes também, do Bruno Barreto. Esse especial era um gênero mais dramático, mas de fato isso não é recorrente. Acho que o grande barato foi que as pessoas que me assistem há muito tempo e que me associam ao humor tenham podido me ver em outro registro. Não posso dizer que saí da zona de conforto, porque ela não é a comédia, assim como não é o drama. A gente trabalha com poucas zonas de conforto, eu, particularmente ,não gosto. Pressupõe acomodação e busco não estar acomodado nunca. Mas, sim, Justiça foi importante para minha relação com o público.
Soubemos que com o Quiosque do Celso, na série Justiça, você se sentiu em casa. Por quê?
Minha mãe teve um quiosque na praia, em Itacaré. Eu trabalhei lá, ajudando minha mãe no período de férias, em feriados prolongados, já que eu estudava em Salvador. Nessas ocasiões, tive contato com esse universo. Minha mãe também teve um sítio de coco. Então, a gente vendia também na praia. Essa relação com comércio existe, aprendi a fazer caipirinha, a servir bebida… Eu era adolescente e acho que hoje em dia menor nem pode, mas na época não tinha esse rigor. E foi muito bom estar próximo desse universo. Mas eu brinco que, ao contrário do Celso, eu não traficava.
Aproveitando as terras baianas, que história marcou seu convívio ao lado de Wagner Moura e Lázaro Ramos, em Salvador?
Minha história com Wagner e Lazinho é bem antiga. Trabalhei em Salvador só com o Wagner, com Lazinho só quando a gente saiu para o espetáculo A Máquina, de João Falcão, em 2000. Em Salvador eu era mais amigo do Wagner, mas a gente se via no teatro. Lázaro veio do Olodum, Wagner tinha um grupo independente e eu vinha da escola de teatro da faculdade. A gente foi se encontrando aos poucos, formando uma amizade que se alimenta de muita admiração um pelo outro e da influência que um gera no outro. Acho que, de fato, a gente se ouve bastante e se estimula bastante. Somos todos muito cúmplices da história de vida dos outros, profissional e pessoalmente. A gente se encontra com uma frequência menor que a gente gostaria, mas nos encontramos ainda. Temos um grupo que ainda tem Marcelo Flores.
Diante de sua carreira e dos seus amigos Wagner e Lázaro, todas bem-sucedidas, como avalia a influência do teatro baiano?
Somos expoentes do teatro baiano, nossa formação foi aí e tudo o que a gente fizer vai ter essa marca. Em qualquer gênero, produto, linguagem, a gente vai estar carregando muito dessa formação no teatro baiano. Isso é inevitável. A gente cresceu admirando as mesmas pessoas e com muitas delas a gente pode trabalhar. O teatro baiano é o nosso berço. Acho que talvez isso traga alguns elementos que nos iguale em alguma medida no trabalho. Há coisas em comum que nos trazem uma unidade: o jeito do baiano se expressar, a linguagem, que é nosso. São coisas que aprendemos com nossos mestres e que levamos adiante no nosso trabalho.
Como foi mergulhar no mundo de Arlindo Barreto, intérprete polêmico do palhaço Bozo?
Fazer o filme O Rei das Manhãs foi um processo intenso. O Arlindo é um ator, é um pouco da minha história, de todas as pessoas envolvidas com as artes cênicas. Ele carrega esse drama de um ator que tentou de todas as formas atingir o sucesso e quando ele se torna bem-sucedido, bem-remunerado, vira um anônimo atrás da máscara do palhaço, o que gera nele uma crise gigantesca. Ele vai ao fundo do poço, exagera nas drogas, na bebida, é realmente muito trágico. Digo que Arlindo não tem a consciência do drama, não é tão dramático quanto trágico: é um vetor de força que comete os equívocos e vai cheio de certezas nas suas escolhas. Espero que esse filme chegue nas pessoas. Porque não foi fácil para mim defendê-lo. É complexo, me exigiu bastante, busquei dar conta de todos os desdobramentos que o personagem tem, a questão dele com a paternidade, supercomplicada, a relação com a mãe… É um filme muito vigoroso.
O que te atrai nos personagens complexos?
Quanto mais complexos, mais interessantes, porque exigem mais da gente como artista e indivíduo. Tentar compreender o que o ser humano carrega. Personagens nos interessam pela complexidade deles. O Gui Santiago, personagem de Rock Story, é complexo. A gente tem o costume de enxergar a novela como algo mais plano, com personagens que têm que funcionar mais fácil, mas não. O Gui é supercomplexo. A relação dele com a filha, com a mulher, com o filho que aparece, com o sucesso, com o fracasso… A perda do estrelato para o Léo Régis, um cara mais jovem… Tudo isso nos interessa, me interessa. Não me interessaria fazer um personagem que o objetivo dele fosse só destruir o vilão e ficar com a mocinha. Isso pode estar nos melhores filmes, nos mais complexos, mas não é só. O vilão está na gente, na incapacidade, na falta de habilidade de lidar com situações que nos fazem fracassar, tropeçar. Acho que isso está na gente. Metaforicamente, pode ser muito interessante, mas quanto mais a gente tenta se aproximar da realidade, mais a gente enxerga a complexidade do ser humano.
Novos projetos estão por vir?
Quando acabar a novela, tenho mais um projeto na TV, Zózimo, série de Mauro Wilson dirigida por Mauricio Farias, que deve estrear no segundo semestre do ano que vem. Estou superanimado para esse projeto também.
Fonte: http://www.correio24horas.com.br/single-entretenimento/noticia/o-vilao-esta-na-gente-diz-vladimir-brichta-em-entrevista-ao-correio/?cHash=b5587dba35fe0d6b586ebd597b7fc228