Consagrado em uma carreira de mais de duas décadas por papéis de toques cômicos e carismáticos, o mineiro de alma baiana Vladimir Brichta vai encarnar pela primeira vez um palhaço nas telas. Desta vez, porém, o drama de quem está por trás da maquiagem é o tema principal. Inspirado na vida de Arlindo Barreto, o primeiro brasileiro a viver o personagem Bozo, Bingo – O Rei das Manhãs é uma história de ascensão e queda, do sucesso que foi destruído por uma mistura de angústias pessoais e de abuso de drogas. Aclamado pela crítica e pelo público como protagonista da novela das 7 Rock Story, que terminou em junho, o ator está no auge. Em setembro, ele ainda volta à televisão para o seriado Cidade Proibida, um noir que se passa no Rio de Janeiro, nos anos 50. Nesta entrevista à Carbono Uomo, Brichta falou sobre Bingo, paternidade, seus amigos, carreira internacional e uma de suas maiores paixões: o surfe.
Carbono Uomo
Como surgiu a ideia de transformar a vida do Bozo em Bingo – O Rei das Manhãs?
Vladimir Brichta
O projeto surgiu quando o Arlindo Barreto, o primeiro Bozo, deu uma entrevista para a revista piauí, em 2007. Um dos nossos produtores leu, achou que daria um belo filme e foi atrás do Arlindo para negociar os direitos sobre a vida dele. É um longa inspirado na vida do Arlindo, mais do que apenas em um personagem que ele interpretou.
Carbono Uomo
E como você chegou ao papel?
Vladimir Brichta
O roteiro chegou a mim pelo Wagner Moura, que é meu amigo. Ele não poderia fazer o filme, mas tinha adorado a ideia. Então, o Daniel Rezende entrou em contato comigo e me convidou para o papel. Achei realmente incrível e alguns meses depois já estava filmando em São Paulo. Bingo é a história de um ator que viveu muitos personagens, mas um muito célebre, que era um palhaço. Era a principal conquista dele, e também a que gerava seu maior conflito. Ele era muito famoso na televisão, mas também um anônimo, porque tinha a identidade preservada. Me interessou fazer essa história pelos arcos incríveis que ele tem com a mãe, com o filho, com a ex-mulher, com a fama, a profissão e o anonimato. Aconteceu que adaptamos o roteiro do Luiz Bolognesi. Não fazemos o Arlindo, e sim o Augusto. É inspirado, mas muita coisa foi recriada para termos liberdade de criação. Ele tem um conflito tremendo, que é o desejo de fazer sucesso, mas depois que faz, descobre que isso incomoda tremendamente. Ele vive essa dualidade de ser um palhaço, trabalhar com as crianças, e, no entanto, ter esse lado sombrio, que faz com que se envolva com drogas e abandone o próprio filho. Tem muitos artistas que fazem humor e que têm um lado obscuro. É a grande questão da história.
Carbono Uomo
Embora retrate um palhaço, Bingo é um filme adulto. Foi um desafio emplacar um longa assim no cinema brasileiro?
Vladimir Brichta
Estamos tratando o filme como o nosso O Lobo de Wall Street. De fato é um filme adulto. Fala de questões existenciais, de cocaína, temas que fazem parte do universo adulto. Mas não acho que seja muito distante do que se produz aqui em termos de classificação indicativa. Acho que o que diferencia Bingo é ser um filme pop que tem essas características. A obra do Kleber Mendonça é supermadura, por exemplo, mas não são filmes que se propõem a essa linguagem pop que aprendemos a consumir com o cinema americano. Nós queremos atingir um grande público. Os outros filmes que o Daniel montou, como Cidade de Deus e Tropa de Elite, são adultos, mas têm essa característica de serem mais fáceis e envolventes.
Carbono Uomo
Você citou O Lobo de Wall Street, mas o filme me lembrou Boogie Nights, do Paul Thomas Anderson. É outra referência?
Vladimir Brichta
Normalmente, quando vou filmar, assisto a muita coisa. No início de todos os meus trabalhos, faço a mesma pergunta para os diretores: “Qual é o tom?”. Sempre acabamos trabalhando com referências. Eu revi Boogie Nights para a produção de Bingo, entre outros filmes de trajetórias de personagens, e também filmes que falavam sobre o final dos anos 70 e o começo dos anos 80. Acho que Bingo é o parente nacional desse tipo de produção.
Carbono Uomo
Quanto de você há em Bingo?
Vladimir Brichta
Acho que a questão do palhaço. Não só como uma figura divertida, mas também transgressora. Eu já faço humor há muito tempo, pago minhas contas assim, mas sempre tive pudor em dizer que sou palhaço. Quando estava fazendo a preparação para Bingo, trabalhei com o Fernando Sampaio, que tem um circo, e pude me apresentar como palhaço de picadeiro. Isso me fez perder o pudor. Assim é com o Augusto, que precisa assumir seu lado palhaço, reconhecer a figura anárquica para dominar o programa de televisão e se firmar como um grande artista e comunicador. Tem também a questão da relação com o filho. Ele começa a fazer sucesso e se torna um pai ausente. Isso é uma coisa que pega para todos que trabalham muito e gostam de ser pai. É uma questão muito dolorosa. Eu sempre fui muito atento para não faltar como pai, achava que se eu alcançasse o sucesso mas faltasse como pai, teria falhado. Se fosse para fazer uma escolha, preferia não ter tanto sucesso para estar presente em casa.
Carbono Uomo
O fim de Rock Story, uma novela que fez muito sucesso, e a estreia de Bingo o colocam sob os holofotes, afirmando sua qualidade como ator?
Vladimir Brichta
Há anos em que estamos mais em evidência. Eu acredito que 2017 está sendo assim para mim. A novela deu muito certo, o que por si só já te coloca nesse lugar. Eu já vinha do final de Justiça, no ano passado, que teve uma boa repercussão, e o Bingo tem gerado uma expectativa muito grande. Além disso, em setembro eu estrelo a série Cidade Proibida. Mas não foi uma escolha. Não planejei que este ano fosse assim.
Carbono Uomo
Falando sobre Cidade Proibida, que se passa nos anos 50 no Rio. É uma série com tons de Nelson Rodrigues?
Vladimir Brichta
Tem um pouco do Nelson pela ambientação e pela temática de adultério, mas tem também muito de Los Angeles – Cidade Proibida. É um noir moderno, solar. Para fazer um noir em uma cidade litorânea, não adianta escurecer tudo. Não funciona. Los Angeles é uma boa referência. Tem muito do Nelson também pelos personagens que são patéticos por suas idiossincrasias. O Rio de Janeiro ainda era a Capital Federal, havia um glamour muito grande. Havia essas duas cidades, a “cidade marginal”, com o detetive, a prostituta, o cafetão; e a “cidade proibida”, glamourosa, com bailes da alta sociedade, os oligarcas que estão aí até hoje comandando o País. Brincamos um pouco com esses dois universos para mostrar que mesmo essa “cidade proibida” necessita de quem limpe a sujeira e de quem faça acontecer.
Carbono Uomo
A Globo tem investido pesado em seriados. Acha que vai haver um ponto de virada e as séries vão se tornar os carros-chefes da emissora?
Vladimir Brichta
Não sei se vai ter essa virada. Eles de fato estão investindo muito em séries. Isso é muito legal e muito bom para nós atores, porque faz com que nós nos exercitemos mais em outras linguagens. Além disso, mais gente trabalha. Mas, a ponto de virar, eu acho que não. Os americanos conseguem vender seus produtos para o mundo inteiro. Por conta da língua – não vou nem falar de qualidade, porque evoluímos muito – temos um mercado internacional para venda limitado. Então, não podemos abrir mão da novela, que gera muito lucro. A não ser que o público mude radicalmente, porque até então o brasileiro curte muito a novela.
Carbono Uomo
Então, a Netflix é uma alternativa para dar vazão a uma produção ainda maior de séries? Você já foi convidado para fazer algum trabalho para a plataforma?
Vladimir Brichta
Nunca fui convidado, mas tenho vontade. Já fui sondado por canais a cabo, mas sempre estive ligado contratualmente à Globo. Acho muito bom que o mercado cresça e passe a produzir mais. É muito bacana ver a Netflix produzindo. Faz o mercado se aquecer e reflete na televisão. Ela precisa produzir melhor. É um trunfo muito grande haver concorrência.
Carbono Uomo
E carreira internacional? Você tem vontade? Já foi convidado?
Vladimir Brichta
Se pintasse esse convite, eu ficaria amarradão de fazer. Mas, não é um projeto meu, nunca investi nisso. Tenho muita curiosidade de saber como é produzir e trabalhar em outra língua. Sei o quanto é difícil, ouço isso de Wagner e de outros que interpretam em inglês.
Carbono Uomo
Você se incomoda com a questão de o ator latino ser estereotipado?
Vladimir Brichta
A questão não é só lá fora. Não é segredo nenhum, porque Wagner e Lazinho [Lázaro Ramos] já falaram sobre isso. Eles começaram a fazer muito cinema, um monte de coisas legais, mas chegou um momento em que disseram que não iam topar mais trabalhos para fazer bandido ou nordestino. Eles se propuseram a suspender essa imagem. Foi isso que fez com que eles ocupassem um lugar muito mais amplo nas telas. Não é só uma questão do americano com o latino, é um preconceito do sudeste em relação ao norte. É claro que se um americano me chama para fazer um latino bandido, e eu gosto muito do trabalho dele, dane-se, eu vou fazer. Não é que eu não faria, mas estar atento a isso é importantíssimo. O ator tem que fazer o que gosta, mas não precisa abaixar as calças. Só representar isso seria desperdício.
Carbono Uomo
Você vem de uma geração de atores maravilhosos, entre eles Lázaro e Wagner, que são seus amigos. Como você vê essa nova geração de atores brasileiros?
Vladimir Brichta
Tem muita gente boa e interessada, e cada vez mais vai surgir uma galera legal. Neste momento, vivemos uma crise tremenda, e o teatro é o primeiro a se foder – desculpe o palavreado –, porque gera menos lucro. Talvez sentiremos um hiato de atores de teatro, mas a televisão, o on demand e a TV a cabo estão crescendo muito. Isso gera a criação de novos empregos e mais gente interessada. Eu vejo uma geração jovem muito interessante. Rock Story tinha uma maioria de pessoas entre 19 e 30 anos no elenco. É um pessoal muito a fim, talentoso e focado. Hoje já não existe mais espaço para o fazedor de merda que as meninas curtem, que terá o lugar
reservado na próxima novela. Você tem que ter talento, ser focado, mas tem que ser profissional.
Carbono Uomo
Sei que você adora surfar. Quais foram os lugares mais irados em que você já pegou onda?
Vladimir Brichta
Eu cresci entre Salvador e Itacaré, que é um dos lugares com as melhores ondas da Bahia. Surfava muito por lá. Aqui no Rio, vou muito à Praia da Macumba, à Prainha, à Barra e eventualmente ao Recreio e à São Conrado, onde eu moro. Já realizei dois sonhos, de uns 200 que nunca vou ter tempo de alcançar: surfar em Fernando de Noronha e em Chicama, no Peru. Foi a onda mais longa que peguei. O surfe norteia muito minhas escolhas de férias e meus sonhos.