Interpretar dois personagens em uma novela é, muitas vezes, um sonho para qualquer ator. Mas, normalmente, essas situações envolvem gêmeos, sósias ou papéis de fases cronológicas diferentes de uma produção. Em “Quanto Mais Vida, Melhor!”, Vladimir Brichta está vivendo uma experiência inusitada: depois de encarnar o craque Neném, ele agora dá vida à empresária Paula, mas no corpo do jogador de futebol. Um exercício que, sem dúvidas, exige muito mais do intérprete. “No final do primeiro dia, por exemplo, parecia que a gente tinha corrido uma maratona”, compara.
A história começou com Neném e outras três pessoas sofrendo um acidente de avião. Ao se depararem com a Morte, personificada pela atriz e cantora A Maia, eles recebem a notícia de que voltarão à vida. Mas, em um ano, um deles partirá definitivamente. Esta segunda chance serve para que todos tentem resolver seus problemas, já que não se sabe quem morrerá. Mas, incomodada com algumas questões, a própria Morte prega uma peça no quarteto: Neném troca de corpo com Paula, papel de Giovanna Antonelli, enquanto Flávia, vivida por Valentina Herszage, passa pela mesma situação com Guilherme, de Mateus Solano. “Tivemos de nos adaptar àquilo. Foi um desafio grande, nos afastamos mais ainda da zona de conforto”, avalia Vladimir.
O que essa troca de corpos representa para “Quanto Mais Vida, Melhor!”?
A novela é uma comédia que pretende ser leve, mas a fase em que estávamos gravando era de muita dor (pandemia). Então, tem um aspecto que pode melhorar a vida ou o dia da pessoa. A gente sofre de um momento de muita intolerância, falta de empatia. Empatia a gente aprende no contato, principalmente, com a arte. É justamente se colocar no lugar do outro. Isso é o que acontece no momento da troca. Eles são obrigados a se colocarem no lugar do outro para aprenderem. Fazer isso em uma novela cômica é gancho para situações de humor. E isso dura bastante tempo e traz um algo de inusitado que a gente só descobre no ar, assistindo.
A troca de personagens, na época das gravações, tirou vocês de uma zona de conforto?
Não existe zona de conforto para quem está atuando. Mas, depois que trocamos de corpos, vi que estávamos em uma certa zona de conforto que tínhamos criado. A gente veio muito preparado, não foi nada ao acaso. Sabíamos desde o início, mas guardamos segredo muito bem. Fomos até ameaçados pelo Alan (diretor) para guardar (risos). A gente combinou uma série de coisas, em termos de gestual, que eram mais práticas e que ajudariam o colega na hora da troca. Mas é tudo novo de novo. É desgastante.
Por quê?
No final do primeiro dia, por exemplo, parecia que a gente tinha corrido uma maratona. A novela já estava sendo gravada em um ritmo como se estivesse no ar. Tivemos de nos adaptar àquilo. Foi um desafio grande, nos afastamos mais ainda da zona de conforto.
Gravar sem se assistir atrapalhou esse processo?
A gente combinou, antes, uma série de coisas que daria base e suporte para os outros. Teve uma preparação. Durante os ensaios, ainda lendo sobre os personagens, a gente já trabalhava com os colegas essa troca, tentando sinalizar o que facilitaria essa transição. Eu pensava assim: “ok, sei que a Giovanna vai fazer assim, mas, quando estiver no ar, vou estar assistindo, vou estar aprendendo com ela e vou finalizar, na minha cabeça, como vou fazer a personagem Paula”. Porque é bem diferente o que imprime na tela, não é? Mas, sabe o que aconteceu? Chegou o momento da gravação da troca de corpos e a novela não entrou no ar. A pandemia foi adiando a estreia e eu não consegui assistir. Isso seria um conforto tremendo para mim, mas não aconteceu. A gente teve de contar com a ajuda dos colegas sinalizando tudo em um primeiro momento.
Essa troca de corpos afeta não só os protagonistas, mas todos os personagens ao redor deles. Como vocês trabalharam isso?
A gente tinha uma preocupação de como as famílias em volta reagiriam. A gente precisou pensar o tom que abordaria. Durante uma reunião, eu me lembro de falar que, se eu fosse extremamente Paula e feminina, eu daria margem para idiotizar aquela mãe que conhece aquele filho. Precisei entender que eu era a Paula, mas precisando fingir ser o Neném.
Para interpretar Paula no corpo do Neném, você precisou fazer uma preparação específica?
Não precisei treinar nada específico porque o esporte dela é jogar coisas nos outros. No caso, é um dom que todo mundo tem. Porém, tive de fazer uma cena andando de salto alto. O diretor, que estava no estúdio, pode confirmar que eu arrasei! Eles não entenderam nada! Eu vim da Bahia, saio no bloco As Muquiranas. Todo mundo achou que seria tipo um dromedário tentando se equilibrar no skate ou um pelicano bêbado. Mas mandei bem ali, modéstia à parte.
Fora da ficção, você já se imaginou trocando de corpo com uma mulher?
Uma vantagem seria entrar em um banheiro feminino e escutar todas as conversas. Dizem que tem umas grandes, não sei se é verdade ou não. O que posso dizer é que as conversas são chatas no banheiro masculino. As mulheres não estão perdendo nada. De repente, seria uma vantagem ouvir um papo. Agora, uma desvantagem seria estar caminhando na rua e ser vítima de algum tipo de assédio. Fica aí um protestozinho.
Se você pudesse trocar de corpo com alguma pessoa conhecida, quem seria?
Eu trocaria, provavelmente, por um curto espaço de tempo, com o Ítalo Ferreira, o Gabriel Medina ou o Felipe Toledo. Daria um aéreo 360º numa onda gigantesca, um pegaria um tubo em Pepiline. Não consigo fazer isso na minha vida real. Depois voltaria para minha vida com essa sensação.
Sonho de criança
A sensação de gratidão por ser escalado para interpretar Neném é nítida em Vladimir Brichta. O ator conta que sempre quis a chance de interpretar um jogador de futebol. Nesta novela, na verdade, ele foi além: seu personagem é um craque dos campos. “Era meu sonho desde ‘Vereda Tropical’, de 1984. Eu era apaixonado por aquela novela e queria muito ser jogador de futebol. Mas Deus não me deu habilidade, só a vontade”, confessa.
Além disso, o próprio cenário da pandemia deixou esse momento com um sabor diferente. “Foi um trabalho muito gostoso de fazer. Um oásis no meio de um período tão difícil para todos nós. Essa novela tem uma vocação muito forte pro humor. O horário das sete é assim”, avalia ele, que já se prepara para a despedida. A novela das 19h da Globo está prevista para chegar ao fim em maio.
Preparação técnica
Para dar vida a um atleta, Vladimir encarou um processo de criação distinto dos colegas de elenco. Além dos encontros e diversas leituras com elenco, ele também precisou se preparar para as cenas que envolvem o futebol. “A linguagem adotada, assim como no futebol, é uma linguagem mais superlativa, fantástica. Claro que eu já tinha alguma intimidade com a bola, mas também não preciso fazer um jogo inteiro de verdade para que a gente capte as imagens. Preciso apenas ensaiar determinados lances que tenham plasticidade”, explica.
Como a ideia era não fazer feio no ar, o ator contou com a ajuda do assessor e ex-atleta profissional de futebol Jamir Gomes, que teve passagens pelo Grêmio e pelo Botafogo, entre outros clubes. “Joguei bola durante muito tempo na minha vida, mas parei de jogar há muito tempo também. Então, precisava resgatar essa confiança e ensaiar alguns movimentos e dribles”, detalha Vladimir.
Foto: Rede Globo