O que esperar de um “Real Beleza” produzido pela Casa de Cinema de Porto Alegre, com roteiro e direção de Jorge Furtado e estrelado por Adriana Esteves, Vladimir Brichta e Francisco Cuoco? Apenas que é um grande filme! Furtado, desde o seu curta “Ilha das Flores”, nunca acertou tanto.
Autor de longas interessantes como “Houve uma vez dois verões”, “Meu tio matou um cara”, “O Homem que copiava”, “Saneamento básico” e o mais recente documentário “Mercado de notícias”, em que ele desconstrói o jornalismo e suas editorias no Brasil atual, ele usa toda a sua sensibilidade para montar a história de quatro personagens em Beleza Real.
Brichta é João, um fotógrafo que vive uma crise profissional. Ele parte para o sul em busca de uma nova modelo para trabalhos internacionais com objetivo de voltar a se firmar no mercado com credibilidade. Mas ele não procura apenas beleza, é preciso algo a mais. Ou seja, um personagem que não desiste da sua carreira e tenta recomeçar o tempo todo. Numa das sessões, após centenas de adolescentes, ele opta por Maria (Vitória Strada), uma garota de 16 anos.
Maria é uma jovem do interior gaúcho que vive em um mundo praticamente isolado com o pai (Cuoco) e a mãe (Esteves). Ela quer muito mudar de vida e buscar na profissão de modelo sua trajetória profissional. Para ela, a vida está apenas começando.
Seu pai, um homem rico e culto, com uma biblioteca imensa, é avesso a saída da filha da fazenda para trilhar um novo mundo. Ele não tem muito tempo de vida, já perdeu a visão e, segundo o personagem, ele tem apenas a biblioteca e filha Maria. Um homem que já se conforta com a velhice e o com seu fim. Uma antítese de Maria. Eis um conflito estabelecido.
Mas o conflito principal se dá com Anita, mãe de Maria, que faz de tudo para que a filha realize seus sonhos.
Anita se envolve com João. Uma paixão avassaladora misturada com com um sexo reprimido.
Mas na hora em que João pede para Anita ir com ele embora, ela refuta e prefere ficar com o marido. Sua personagem contrasta com João. Ela desiste e prefere não renascer para essa nova vida.
Se as curvas dramáticas dos personagens são riquíssimas, os diálogos não ficam atrás. Com frases curtas, bem ao estilo de Furtado, elas são simples, mas cheias de lirismo, quase sempre se apoiando em romances famosos. O amor à literatura não está apenas na composição da biblioteca, mas em pequenas citações de Boccaccio, Borges, Drummond, entre outros.
Na estética, Furtado também brinca um pouco com a narrativa clássica. Quando João e Anita estão conversando na sala, ele aproxima com o zoom nos rostos dos personagens, técnica muito empregada pelos cineastas franceses como Resnais e Godard. Penso que ele poderia ter usado mais desse recurso em algumas cenas.
Deu o que falar a nudez de Anita no lago, algumas pessoas acharam desnecessário. Porém, quando ela fala: Tira uma foto minha! João vira e ela está nua, isso gera uma surpresa no espectador, pois ninguém espera naquele momento tanta desenvoltura da pacata Anita. Nesse momento você percebe porque Brichta e Adriana extrapola as telas – o casal é química pura. A frase será repetida depois por Maria. O personagem central e o público têm a certeza de que a jovem estará nua, mas ela está completamente vestida. Ou seja, o que você viu antes, não verá agora. É a magia do cinema de poder enganar o seu espectador em pequenas cenas. Coisa que Furtado sabe fazer muito bem.
O fato é que para Furtado você pode escolher seus caminhos. Pode começar, recomeçar, terminar ou desistir, mas essa última é a pior escolha. Porque a vida é bela.
FONTE – Site UJS: União Da Juventude Socialista – Ir para o site –