Todos nós temos uma entrevista favorita, né? A minha entrevista favorita da Adriana é essa que ela deu para a revista Marie Claire na edição de setembro de 2007.
Confira:
Aos 22, ela se afastou da tv e perdeu boa parte da fama. Aos 31, perdeu a irmã, companheira e amiga. De vez em quando, confessa perder o controle. Mesmo assim, entende que a felicidade é a gente que cria, e escolheu ganhar a vida com a arte de fazer rir. Talvez por isso, no meio da entrevista, dispare: “Vou te contar uma coisa: fui muito feliz ontem”.
Acho que fui uma criança muito quieta, quase triste |
Dizem que nada define melhor uma pessoa do que sua relação com a perda. Se levarmos em consideração que a perda faz parte da condição humana, cedo ou tarde todos seremos definidos. Alguns, mais cedo do que tarde -como é o caso de Adriana Esteves, garota de classe média carioca que queria ser médica, mas acabou caindo, quase sem querer, no mundo televisivo, em seu nicho mais espalhafatoso: o das novelas globais. Ela tinha 19 anos.
Recém-saída da adolescência, Adriana se encontrou cercada por desejos, expectativas, vaidades, promessas. E, ao contrário do que aconteceu comigo ou com você, passou por todos esses conflitos exposta à mais cruel das opiniões: a opinião pública. Em 1993, protagonista de “Renascer”, foi fuzilada por todo o tipo de avaliação da mídia especializada. Como não tinha experiência e chegou ao estrelato amparada apenas pelo jeito gracioso e por uma breve carreira como modelo, era alvo fácil. Aos 22, depois de protagonizar três novelas das oito, decidiu encerrar a carreira. Deprimida, foi para casa pensar na vida. Durante 2 anos, ficou afastada das artes dramáticas. Quando voltou, foi sem alarde, sem a pretensão de ser, mais uma vez, candidata a namoradinha do Brasil.
Hoje, aos 37, mãe de três filhos (Agnes, 9, Felipe, 7, Vicente, 9 meses), protagonista do seriado “Toma Lá, Dá Cá”, de Miguel Falabella, Adriana revê as perdas e contabiliza o saldo. Ela sabe que, de todas as dores, a única que continua aberta e sangrando é a morte da irmã caçula. Mas essa ela também sabe que não vai passar. Então, simplesmente aceita o sofrimento e segue tentando encontrar o melhor passo para dançar a música da vida. Ao lado de Vladimir Brichta, seu companheiro há 4 anos, acaba de iniciar uma nova fase: pela segunda vez na carreira, vai para o centro do palco – agora, devidamente preparada para os trancos que podem vir. “Que venham as críticas, porque elas me fazem crescer”, diz. “E eu vou te contar, meu Deus, como eu gosto de crescer!”, conclui, sorrindo.
Marie Claire O que fez você se afastar da TV?
Adriana Esteves Hoje, olhando para trás, vejo que pouco teve a ver com a profissão ou com as críticas pesadas. De verdade, não foi isso. Eu tinha 22 anos e comecei a me questionar muito. Sabe, eu já tive problemas na vida antes e eles nada tiveram a ver com a profissão. Então eu acho que, mesmo se tivesse sido médica, teria passado por uma crise. Na minha história de vida, tem uns momentos em que a coisa sai do controle. E hoje, mais madura, com quase 40, minha função é controlar essas fases. Não é deixar de perder o controle, mas é perder de forma construtiva. Quando a gente dá uma pirada e fica olhando só o próprio umbigo, aí é que a coisa fica estranha.
MC O que acontece nesses momentos?
AE Eu entro numas de questionar, de refletir, de buscar sentido. E isso é sempre duro, muito intenso, muito solitário. Pode virar uma viagem muito sofrida, sabe?
MC Desde quando você é assim?
AE Puxa, desde sempre, desde criança. Minha memória de infância é bastante melancólica. Eu acho que fui uma criança muito introspectiva, muito quieta, quase triste.
MC Você acha ou você foi?
AE Pois é. Eu acho. Porque eu digo isso para os meus pais e eles falam: “De onde você tirou isso? Você era uma criança impossível, que corria, pulava, brincava, vivia sorrindo”. E eles devem estar certos, porque meu apelido era “trovoada”. Eu abria a porta de casa e minha mãe dizia: “Xiii, lá vem a ‘trovoada'”. Então, não sei de onde vem essa imagem que tenho de mim. Mas ela é muito forte e muito antiga.
Não existe: ‘amanhã vou ser feliz’. Não existe ‘sou feliz’. O que existe é ‘estou feliz’ |
MC Você faz terapia?
AE Faço.
MC E como essa discrepância de imagens é interpretada?
AE Ai… Você sabe que é a primeira vez que eu reflito sobre isso. Fica para a próxima sessão [risos].
MC Você acha que os filhos ajudam a fazer com que a perda do controle seja administrável?
AE Filho centra. A primeira grande coisa que aconteceu na minha vida foi o nascimento do Felipe [filho que Adriana teve com o ator Marco Ricca]. Pela primeira vez na vida, falei: “Eu me orgulho de mim”. Olhava para ele e pensava: “Amo tanto esse menino e tenho tanta vontade de fazer dele um grande homem, então vou ficar forte para isso”. Ficava muito envaidecida quando ouvia elogios sobre minhas qualidades como mãe. Olha, é muito mais do que qualquer aplauso, ou temporada de teatro lotado. Sabe quando o filho tá no colo da babá ou de um amigo e ele pede para ir para o seu colo? Ah, isso é bom demais. É o aplauso da criança. Isso me diz: ele me quer. E eu penso: “Vem, meu filho. Mamãe tá aqui e tá forte”. Se eu não tivesse filho, ia ser mais fácil pirar. Sem filho você corre o risco de pirar e não saber se volta.
MC Existe um preconceito no meio televisivo quando o ator ou a atriz faz sucesso sem ter feito teatro antes?
AE Sim. Rolou muito na época em que eu estava começando. Mas, como o preconceito só nos atinge quando a gente de fato se sente insegura, ele foi muito útil. Eu acabei indo atrás do teatro, fui tentar melhorar. De repente, me vi fazendo uma novela atrás da outra, e as coisas já não eram tão maravilhosas como quando você é uma novidade. Bateu vontade de um crescimento maior.
MC Como foi essa transição da heroína romântica do horário nobre para a comédia?
AE Em 1995, fui convidada para fazer a “Comédia da Vida Privada” pelo [diretor] Mauro Mendonça Filho. Era com o Marco Nanini, o Pedro Cardoso, a Louise Cardoso. Foi uma delícia. A partir dali o bichinho do humor me pegou. Eu pensei: “Por que não crescer por aqui?”.
MC Fazer rir é um prazer especial?
AE Quando a gente faz chorar, o espectador pode estar fazendo uma referência ao seu arsenal particular, suas histórias, seus traumas e complexos. Ele pode se emocionar porque misturou tudo. Mas o riso é imediato, é aquilo que se vê. Por exemplo: ontem eu tive um prazer muito grande quando a gente estava gravando o oitavo episódio de “Toma Lá, Dá Cá”. O Miguel [Falabella], que além de meu marido no seriado é também o autor, cria os textos na hora, vai inventando, adaptando, tudo para fazer dar mais certo, para fazer ficar mais engraçado. E ontem eu fiz uma cena que não saiu bem, não rolava, a piada não estava no tempo certo. Conversei com o Miguel, mudamos umas coisas e fiz diferente na segunda gravação. Foi um arraso. Deu tudo certo, as pessoas morreram de rir, foi um prazer enorme. No final, o Miguel me abraçou e me deu um beijo. Foi sensacional. Tô falando isso e pensando como ontem eu fui feliz. Como eu fui feliz ontem!
MC Você entende a felicidade como uma coisa assim, quase corriqueira, não um destino, um objetivo maior?
AE É um exercício diário. Não existe “amanhã vou ser feliz”. É aqui, agora. É “estou feliz”. É um corte na hora. E é saber que “estou feliz” é o mais perto que você vai chegar de “sou feliz”.
MC Quando você não foi feliz?
AE Quando minha irmã morreu. [Adriana começa a chorar, mas não pede para que a entrevista seja interrompida. Fica quieta por alguns minutos, enxuga as lágrimas e continua, muito emocionada.] Ela tinha 30, eu tinha 31, ela era minha grande amiga. Minha grande amiga. E hoje ela não está mais aqui. Quer dizer, está, porque eu penso nela todos os dias. Essa é minha única dor. A única dor. [A irmã caçula de Adriana foi vítima de uma parada cardíaca, em 2002.]
O Vladimir me ajudou a superar a morte de minha irmã |
MC Quando ela morreu você não entrou nessas loucuras que batem quando a gente tenta entender por que a vida às vezes não faz sentido?
AE Eu já tinha o Felipe, ele tinha 2 anos, precisava de mim. Tinha meus pais, e eu precisava ficar perto deles. Tem uma hora que a vida inverte os papéis e a gente vira mãe de nossos pais. Além disso, estava fazendo uma novela [“Coração de Estudante”, 2002]. Quando você está fazendo novela, tem a sensação de que não pode acontecer nada na vida, porque você não pode deixar de gravar. Eu consegui não ir durante 3 dias. Depois tive que voltar.
MC Foi duro?
AE Conheci o Vladimir nessa época. Fazíamos a novela juntos e ele me via muito triste pelos cantos. Um dia, chegou para mim, do nada, e disse: “Olha, uma hora essa dor vai diminuir e você vai sorrir outra vez”. Ele tinha razão. E falava por experiência, porque perdeu a mulher quando a Agnes tinha 2 anos. [A ex-mulher de Vladimir morreu em 1999, vítima de uma doença congênita rara e que se desenvolveu em poucos meses. Vladimir tinha 24 anos. Agnes é filha dessa primeira união.]
MC Foi quando o romance começou?
AE A gente já se admirava, mas foi por essa época que começou a conversar mais, e de um jeito mais profundo.
MC Encontrar alguém que viveu uma experiência parecida é aconchegante numa hora dessas?
AE O sofrimento une, sempre. E o Vladimir já tinha o gosto de uma perda prematura difícil de entender. Então, acho que essa referência da dor fez com que nossa história começasse de um jeito forte, profundo, diferente.
MC Como é ser parte de uma família que foge dos padrões? [Adriana mora com Agnes, com Felipe -fruto de sua união com o ator Marco Ricca- e com Vicente, de 10 meses, que teve com Vladimir.]
AE Família diferente da minha e da sua, né? Porque é igual a uma família qualquer. Tem muito amor, e é amor que faz a família. Aliás, olhando lá atrás, não sei por que a gente, essa geração dos anos 80, amarrava nossos pais juntos à força. Será que a gente não os impedia de serem felizes? Eu fico em casa observando a dinâmica e vejo o Felipe tão feliz com a Agnes… Será que ele ia preferir que eu ficasse com o pai dele? E o pai dele está tão feliz hoje. Será que não é mais interessante assim? O Felipe tem a gente e tem ainda a família do Marco, uma família bem grande, italiana, dessas que senta em uma mesa enorme no domingo. Isso é ótimo para ele, para a formação.
MC Vocês têm uma rotina?
AE A gente tenta jantar junto sempre, embora os horários de cada um sejam malucos. Mas, às vezes, eu estou na sala lendo um livro, olho em volta e vejo o Vladimir brincando com o Felipe, a Agnes com o Vicente… as relações entre cada um de nós são muito diferentes, mas muito intensas. O Felipe e o Vladimir são muito amigos, a Agnes e eu, o Felipe e a Agnes sempre rindo… e agora o Vicente. É muito forte ver tudo isso funcionando em harmonia numa terça-feira qualquer, sabe?
MC O Marco e o Vladimir se dão bem?
AE Muito bem. Eu acho que a gente começa uma situação como essa, de agregar, por amor aos filhos, mas depois vai vendo que no fundo existe muita coisa em comum ali. E as relações se tornam maduras e baseadas em amor. Mas, olha, não deixa de ser um gesto heróico construir uma família hoje. Porque a transgressão talvez seja jantar na mesa, ver a lição do filho. Lá em casa, a gente luta muito um pelo outro, a gente se protege tanto… Eu tenho uma dedicação absurda ao trabalho, mas a família não se compara a nada. A coisa mais importante da minha vida hoje é manter a sanidade dessa galera. A gente é uma turma. E um dia o pai do Felipe vai casar outra vez, e a gente vai continuar aumentando essa turma.
MC Isso é suficiente para fazer você feliz?
AE Eu tenho tudo dentro de casa. Não me falta absolutamente nada. Tudo o que preciso é voltar para casa todos os dias.
Adriana veste regata Ka-Karina Sterenberg
Styling: Arlindo Grund e Fábio Paiva/
Cabelo e maquiagem: Bettina schütze
Assistente de fotografia: Daniel Assis