Uma briga entre adolescentes culmina num dos meninos desmaiados na quadra esportiva de um condomínio da Barra da Tijuca, bairro da Zona Oeste do Rio. Esse é o pavio aceso que faz disparar o enredo de “Os outros”, série lançada pela Globoplay.
O cenário da trama é um daqueles conjuntos de prédios com muitos blocos e áreas de lazer comuns. Visto do alto, o lugar é a expressão concreta da realização do sonho da casa própria de seus vários moradores, bravos trabalhadores. Mas essa idealização se desmancha no momento em que a câmera se aproxima.
Já nos primeiros minutos, a violência explode. Rogério (Paulo Mendes)esmurra Marcinho (Antonio Haddad). Cibele ( Adriana Esteves ) desce correndo para acudir o filho desacordado. E ameaça Mila (Maeve Jinkings), mãe do agressor, dizendo que vai à polícia. A tensão sobe mais. A repercussão do soco é um eco que não se dissipa. A briga se agrava, e Cibele faz um gesto de vingança: risca a pintura do carro de Wando ( Milhem Cortaz ), o pai de Rogério.
Com a curva do drama ascendente, a ação se precipita. O ódio se generaliza e deixa de ter origem na simples interrogação sobre quem tem razão. Os “outros” do título da série fazem lembrar os da frase de Jean-Paul Sartre em “Entre quatro paredes”. São personagens confinados, presos no inferno de uma convivência compulsória, mas insuportável. A trama mergulhou nos sentimentos mais podres depois das figuras e, paralelamente, monta um painel sociológico.
É preciso fazer um elogio entusiasmado para as interpretadas. Adriana Esteves, Milhem Cortaz, Drica Moraes (Lúcia), Eduardo Sterblitch (Sérgio), Maeve Jinkings, Thomás Aquino (Amâncio), Antonio Haddad e Paulo Mendes brilham muito no primeiro episódio. A produção é uma daquelas expressões de uma borboleta de forças positivas que se potencializam. O espectador se vê capturado desde o primeiro instante por um roteiro excelente, bem armado (Lucas Paraizo, talento também de “Sob pressão”). A realização — a direção de Luisa Lima — compreende e impulsiona essa força de trabalho do texto. O espectador brasileiro, muito treinado pela linguagem das novelas, vai notar logo a diferença: aqui, a câmera nunca se aproxima dos rostos para sublinhar a dramaturgia, e não há outras sinalizações fáceis e pouco sutis.
É possível dizer sem medo de injustiças que esta já é uma das maiores promessas do ano. Há dois episódios disponíveis na plataforma — serão 12.
Foto: Paulo Belote/Globo