Incansável Vladi
VLADIMIR BRICHTA VOLTA AO HORÁRIO NOBRE E À BAHIA NO PAPEL DO VILÃO REMY FALCÃO, NA NOVELA “SEGUNDO SOL”, E ORGULHA-SE DO TEMPO ININTERRUPTO NO AR
Se você ligou a TV em qualquer momento nos últimos nove anos, com certeza viu o ator Vladimir Brichta em cena. “Desde 2010, estou no ar todos os anos, emendando um trabalho atrás do outro. Acho que ganhei até do Tony Ramos na quantidade ininterrupta de tempo na TV”, brinca. Longe de se queixar, ele se orgulha da carga puxada de trabalho. Tanto que encarou um novo papel na pró- xima novela das nove na Globo, “Segundo Sol”, que estreia dia 14.
Uma série de fatores levaram o ator a continuar nessa maratona. Trabalhar pela primeira vez com o autor João Emanuel Carneiro, interpretar um vilão em uma novela passada na Bahia, sua terra natal, e voltar a contracenar com a esposa Adriana Esteves – para tirar férias junto com ela ao final do trabalho. “Tudo isso me encantou. E, obviamente, e mais importante de tudo, o personagem. Li e gostei muito. Já passei da etapa de contar histórias que não me interessavam tanto.”
Em “Segundo Sol”, Vlad fará o papel de Remy Falcão, que vive à sombra do irmão caçula Beto (Emílio Dantas), um cantor de axé. “O fato de ser um mau caráter, que faz escolhas eticamente execráveis e duvidosas, me interessou muito. É algo que nunca fiz em uma novela.” Remy é tão obcecado pelo irmão que tem um caso com Karola (Deborah Secco), namorada do caçula. Ele vira empresário de Beto para se aproveitar da fama alheia, mas leva a família à falência. “Esse cara é tão indignado por ter um irmão com mais talento e atenção, que faz de tudo para prejudicá-lo.
Mas ao mesmo tempo em que quer matar o Beto, também quer protegê-lo”, analisa Vlad, dando uma dimensão maior ao rótulo de vilão e deixando o posto de maior bandido da história para a esposa. “A Adriana faz a Laureta, que é uma mau-caráter, uma grande oportunista, mentora da namorada do Beto. A grande vilã é ela!”
À parte qualquer vilania, voltar a trabalhar na Bahia tem um tempero especial. Apesar de ter nascido em Diamantina, Minas Gerais, foi em Salvador que o ator cresceu e se formou. Com a autoridade de quem já morou em todos os cantos de Salvador (de Graça a Nordeste de Amaralina, de Ondina a Matatu), ele pode extravasar sua baianidade. “É muito legal resgatar meu sotaque. O João [autor] também tem sido muito generoso em incentivar que a gente use algumas expressões. Temos só que dosar os palavrões, o que é meio difícil”, brinca.
Rever lugares emblemáticos e contracenar com talentosos atores locais que Vlad assistia quando jovem também trouxe um axé especial. Até certa idade, o ator evitava se declarar baiano, por respeito a Minas Gerais. Mas, com o tempo, ele assumiu a identidade soteropolitana. “No começo eu tinha certo pudor. Mas não tem como dissociar minha imagem da Bahia. Meu sotaque, meus hábitos, minha formação. Até meu time de futebol é o Bahia.”
Essa volta a uma novela na Bahia é especial para o ator, já que foi lá que Vladimir Brichta estreou na Globo, há 17 anos, com “Porto dos Milagres”. “De alguma forma tenho a sensação de que estou fechando um ciclo. Que estou me reencontrando em algum lugar”, filosofa. “Não sei se é pelos 17 anos, por ter amadurecido, pelo público reconhecer que eu sou de lá, mas foi a primeira vez que eu voltei e percebi que meu corpo e minha mente estavam 100% em Salvador.”
“Tenho essa vontade de produzir muito mais. De permanecer em movimento, ser motivado por desafios que toquem em temas que eu julgue cada vez mais relevantes”
Quando nos encontrou no La Suite By Dussol, uma mansão de 1968 localizada no Joá e com uma vista exuberante do Rio de Janeiro, Vlad tinha acabado de gravar sua primeira cena com Adriana Esteves. “Os personagens não se viam há muito tempo e então ela fala: ‘Eu não confiaria tanto em mim se fosse você’. E eu respondo: ‘Mas eu confio. Sabe por quê? Porque a gente tem uma história. A gente tem um passado’”, recorda, empolgado. “Legal, né? É metalinguagem pura. Foi o maior barato eu poder dizer isso para ela. ‘A gente tem uma história’.”
“Sempre fomos parceiros, mesmo que só um estivesse em cena. Ajudando a decorar o texto, a refletir sobre nosso trabalho”, relata. Uma admiração mútua entre os dois, casados há 12 anos, fez com que o compartilhamento de experiências e debates sobre tom, linguagem e motivação dos personagens fosse algo constante e natural. “A gente gosta de se ouvir, de se provocar. E agora que voltamos a contracenar, podemos tirar proveito. Isso enriquece a história.”
BINGO
Além da maratona na televisão, Vlad ainda encontrou tempo para protagonizar um dos filmes de maior repercussão nacional recentemente. Em “Bingo – O Rei das Manhãs”, ele fez um papel inspirado no palhaço Bozo, sucesso de audiência nos anos 1980. “Esse filme foi um presentaço. Tinha essa questão do palhaço que vende alegria, mas que tem um mergulho nas suas questões pessoais. Pude viver o drama, o humor, o trágico. E o cara ainda por cima era ator.”
Com direção de Daniel Rezende, fotografia de Lula Carvalho e uma direção de arte incrível de Cássio Amarante, “Bingo” foi o representante brasileiro na corrida pelo Oscar 2018. Sucesso de crítica, o filme permitiu a Vladimir explorar seu lado dramático. “Antes de ‘Tapas e Beijos’ eu tinha feito duas séries e quatro novelas com humor, e foram as que deram certo. Mas não tenho essa história de preferir comédia ou drama. Por isso ‘Bingo’ foi uma oportunidade gigantesca”.
A veia cômica e o alto astral, porém, são características marcantes do ator. “Olha que cara de rico. Depois dos 40 estou tentando imprimir uma imagem de magnata. Onde estão os meus barcos?”, brincou, enquanto provava os looks para nossa sessão de fotos. Esse bom humor ficou cinco anos no ar como Armane, em “Tapas e Beijos”. “Gosto muito de comédia. Entendo desse gênero e me sinto confortável. ‘Tapas’ foi especial. Só tinha camisa 10, só artilheiro!”
Outros trabalhos marcantes na TV nos últimos dois anos foram a série “Justiça” e a novela “Rock Story”. “Eu estava dez anos sem fazer novela e topei ‘Rock Story’ porque ia me aproximar da música, que vira e mexe está presente na minha carreira. Tinha a questão de ser um pai que presta contas com o filho e com o passado. E foi muito bom, um sucesso. Uma novela muito gostosa de fazer”, conta o ator, que dispensou qualquer dublagem nas cenas de cantoria.
ORIGENS
Pouca gente sabe, mas o primeiro nome do ator é Paulo. Paulo Vladimir Brichta. Inicialmente, o prenome bíblico não estava nos planos, mas a família quis evitar possíveis problemas ao batizá-lo em homenagem a Vladimir Herzog, preso político assassinado pela ditadura. O próprio pai de Vlad, Arno Brichta, estava detido. “Fui concebido na sala sete do Complexo Prisional da Mata Escura, em Salvador, durante visitas íntimas”, conta, divertindo-se.
O geólogo Arno havia trabalhado com Herzog brevemente na TV Cultura, em São Paulo, admirava Vlado e tinha razões de sobra para duvidar do suicídio do jornalista nos porões do DOI-CODI. Para evitar uma afronta maior aos generais, o batismo veio com Paulo na frente. Mas o caçula sempre foi Vlad. “Já aconteceu de ligarem lá em casa, alguém querendo falar com o Paulo, e responderem que não tem ninguém com esse nome”, relembra.
Vladimir nasceu em Diamantina, onde Arno trabalhou após sair da prisão. Mas logo a família cruzou o Atlântico para morar na Alemanha. E foi lá que despertou no pequeno Vlad o desejo de ser ator. “Com quatro ou cinco anos, eu via as apresentações teatrais na escola e ficava encantado. Já queria ser ator. Toda semana eu assistia os artistas e mudava meu nome para Hans ou Müller. Queria ser que nem eles.”
O sonho de criança persistiu. A família Brichta voltou para Salvador, Vlad se alfabetizou e entrou em grupos teatrais escolares. Mais tarde, se familiarizou com um cenário artístico em ebulição em Salvador. Conheceu os amigos Lázaro Ramos, Wagner Moura e Marcelo Flores. Fez um curso de teatro profissionalizante. Até estudou Artes Cênicas na UFBA, mas a agenda de peças já estava puxada e ele largou a faculdade. “Nunca pensei em nada diferente. O plano B seria tentar tudo de novo.”
REFLEXÕES
Quando estreou na televisão em “Porto dos Milagres”, em 2001, Vlad já tinha uma carreira consolidada no teatro em Salvador e fazia sucesso com a peça “A Máquina”. Pergunto o que mudou nesses últimos 17 anos e o ator pensa bem antes de responder. “Além da ação do tempo, obviamente, meu entendimento sobre o próprio tempo e a administração da urgência.” No início, ele não sabia se o interesse pela televisão seria mútuo. Hoje, tem certeza.
“De alguma forma tenho a sensação de que estou fechando um ciclo. Que estou me reencontrando em algum lugar”
“Consegui passar por projetos muito bacanas. Praticamente tudo que fiz, gostaria de ter feito. Uma vez ou outra fui levado por impulsos, mas pude exercitar gêneros e linguagens diferentes.” A presença constante na TV também possibilitou que o ator se envolvesse com projetos mais autorais no teatro e no cinema. “Eu teria muito pudor de falar isso antes dos 40, mas hoje percebo que tenho um público. Gente que me acompanha, que reconhece minha trajetória.”
“Desde 2010, estou no ar todos os anos, emendando um trabalho atrás do outro. Acho que ganhei até do Tony Ramos na quantidade ininterrupta de tempo na TV”
Aos 42, Vladimir Brichta vive um dos melhores momentos da carreira. “Estou em um momento privilegiado de poder fazer escolhas. No início da carreira tive que dizer sim para tudo, para poder comprar o leite da criança.” O ator considera que sua faixa etária lhe permitirá a possibilidade de personagens ainda maiores. “Essa idade é muito valiosa. Nomes como Robert De Niro e Al Pacino, por exemplo, tiveram uma fase dos 40 muito rica. Por isso digo que não estou no ápice.”
Para Vlad, o tempo é bem mais generoso com um ator do que com outros profissionais. “A gente consegue trabalhar com menos voz ou menos coordenação, se o papel permitir. Lidamos com um acúmulo de experiências e nos retroalimentamos delas”, analisa. “Tenho essa vontade de produzir muito mais. De permanecer em movimento, ser motivado por desafios que toquem em temas que eu julgue cada vez mais relevantes.” Se depender de Vlad, ele vai superar o próprio recorde de tempo ininterrupto no ar.