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Vladimir Brichta: Amor de filho

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Davi Vladimir Brichta
Foto: TV Globo

Visual despojado, vestindo jeans e camisetas-protesto do Greenpeace e de sua ONG Planeta Vivo. Cabelos longos, presos num rabo de cavalo. No discurso e nas atitudes, a força de um ambientalista convicto da causa que defende.

É assim que o ator Vladimir Brichta vem conquistando mais e mais fãs, na pele de Davi Moretti, seu atual personagem na novela Amor de Mãe, da TV Globo, onde ele estreou em 2001.

Mineiro, nascido em Diamantina exatamente em 22 de março, quando se comemora o “Dia Mundial da Água”, o ator tem DNA ‘ecológico’: é filho de um geólogo e professor; e a mãe foi ativista ambiental. Depois de morar na Alemanha, Brichta cresceu na Bahia, onde a experiência de viver em contato com a natureza marcou a sua infância. Aos 44 anos, casado com a atriz Adriana Esteves, com quem tem Vicente, de 13 anos, ele também é pai de Agnes, de 23.

Em entrevista exclusiva à Ecológico, Brichta fala da inspiração para compor seu personagem, da realidade hídrica do Rio de Janeiro e do que procura ensinar aos filhos, como o combate ao consumo exagerado.

Atento a diferentes temas e acontecimentos atuais, ele critica o discurso equivocado do ministro da Economia, Paulo Guedes, em Davos. Celebra as atitudes da jovem ativista Greta Thunberg. E manda um recado aos empresários brasileiros.

“Comprometam-se com o meio ambiente e com formas sustentáveis de produção. O restante do mundo está correndo atrás disso e levando vantagem. Vai levar cada dia mais vantagem quem estiver em sintonia com esse tópico [a causa ambiental], que é urgente no mundo inteiro hoje. Os negacionistas vão ficar para trás na história.”

 

Confira, a seguir, a mensagem que o ator espera deixar com o seu personagem e também o seu esperançoso otimismo pessoal em relação ao nosso futuro comum no planeta:

Parte da inspiração para viver o Davi veio do seu próprio ambiente familiar?

Sim. Esse universo é muito próximo a mim, graças ao meu pai, Arno, e ao meu irmão, Maurício. E minha mãe, Carmem, foi ativista ambiental, ainda nos anos 1980. Ela integrou a Boto Negro, em Itacaré (BA), uma associação que lutava pela preservação ambiental da região. Por tudo isso, não precisei buscar muito longe de mim as referências para viver o Davi.

Você sobrevoou a Baía de Guanabara com o biólogo e ambientalista Mário Moscatelli, que há anos luta contra a sua poluição. Como foi a experiência?

O sobrevoo foi muito impactante. Quando sobrevoamos o Rio de Janeiro, a primeira impressão é de encanto, diante da beleza da cidade, que é geograficamente maravilhosa. E isso, de alguma forma, aumentou depois a minha decepção, em ver como ela está degradada, mal cuidada e mal gerida. Não foi um passeio turístico.

O que você observou em especial?

Ele fotografou várias saídas de esgoto. Sobrevoamos a Guanabara, a Enseada de Botafogo, e pude ver o quanto os governos não estão dando conta de reverter a degradação ambiental. Vi também o quanto a população, todos nós, ainda precisamos nos educar. Em inúmeros locais, a falta de tratamento de esgotos é um problema – e isso tem sim de ser cobrado dos órgãos públicos. Mas a gente também vê todo tipo de lixo, até sofá, no meio do manguezal. Em relação à Cedae, o que a gente vive no Rio, hoje, é resultado de uma política desastrada…

Acredita que faltam investimento e projetos eficazes?

Certamente não houve investimento necessário. Há dinheiro e pessoas com conhecimento, com know-how para fazer com que as coisas funcionem de forma melhor. Mas nunca a ação política caminha nesse sentido. A escolha nunca é em prol das pessoas, da natureza, mas sempre em benefício próprio ou de algum amigo. Isso é assustador. E esse descaso político fica notório agora, quando a gente abre a torneira aqui no Rio. O impacto de tudo isso eu pude sentir lá de cima, durante o sobrevoo. A degradação ambiental é uma das mazelas com as quais temos de conviver, e que avançam sobre a gente de forma violenta: se a água está ruim, a qualidade do peixe, do ar, tudo fica ruim também. Não temos como sobreviver ao que estamos fazendo com o planeta.

Como você define a personalidade, o jeito de ser do Moscatelli?

Conhecer o Mario foi impressionante. Eu já havia lido bastante sobre o trabalho dele. E, obviamente, sabia que se tratava de uma pessoa muito comprometida com a preservação e a recuperação ambiental. Mas o que mais me chamou a atenção foi a dedicação dele. É algo sem descanso. A mensagem que ele transmite é a seguinte: minha vida só tem importância se estiver 100% dedicada à preservação, à recuperação do meio ambiente, à conscientização e reeducação das pessoas. A intensidade com que ele vibra e trabalha é impressionante. A causa ambiental não faz parte da vida dele, é a vida dele.

E durante as gravações da novela, alguma cena te marcou de forma especial?

Várias passagens ficam marcadas. Numa delas, gravamos um mutirão para catar lixo na praia. Fomos para uma praia pequena e a equipe levou lixo cenográfico – plástico, tudo amarrado, para não ter risco de cair na água e poluir. Éramos umas 20 pessoas catando lixo. Naquele momento, duas coisas me impactaram. Primeiro, vi o quanto o coletivo é forte. Juntos, conseguimos catar um grande volume de lixo num curto espaço de tempo. Segundo: mesmo catando uma grande quantidade de lixo, isso não foi suficiente para deixar aquela pequena praia totalmente limpa.

O Davi encarou o desafio de consumir água e alimentos contaminados para comprovar a poluição causada pela fictícia empresa PWA. Você faria o mesmo?

Não teria o mesmo impulso e coragem dele. Por mais que coloquemos nossa vida em risco o tempo inteiro, nos expondo e vivendo numa cidade violenta, com realidade urbana precária, isso não se compara, de fato, à escolha feita pelo Davi. O que ele fez foi um gesto-manifesto. Algo como no Super Size Me [documentário em que o diretor norte-americano Morgan Spurlock passa um mês só comendo sanduíches do McDonald’s, para mostrar o impacto disso em sua saúde]. Projetar a imagem do Davi colocando a vida dele em risco para dar visibilidade a pessoas que estavam morrendo e sendo lesadas, como o filho do amigo de cena dele, o Guará [vivido por Demick Lopes], foi muito forte. Mas eu não botaria minha vida em risco. E desaconselharia alguém a fazer isso.

Você acompanhou a repercussão das declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, em Davos (sobre desmatamento x pobreza)? O que pensa sobre isso?

Acompanhei tudo com olhos de decepção e de estupor. Na verdade, nem sei se seriam essas as palavras certas, uma vez que, desse governo, não esperava algo diferente. Afinal, antes mesmo de assumirem seus cargos, essas pessoas deixaram bem claro como enxergam o meio ambiente, a relação com minorias etc. O ministro distorceu o discurso, tentando afirmar que as pessoas desmatam por falta de opção. Como se a pobreza as empurrasse para a ilegalidade quando, sabemos bem, são duas coisas completamente distintas. Ele foi desastroso também ao falar sobre a ‘farra’ das domésticas.

O ministro tem protagonizado uma sucessão de equívocos… E isso não acontece por acaso. Todas essas falas deixam bastante claro qual é o entendimento desse governo sobre o meio ambiente e sobre as relações humanas. Isso mostra o quanto estamos mal representados. Torço para que países mais avançados, com maiores exigências no combate à degradação ambiental, façam uso de possíveis sanções. E, com isso, pressionem o nosso governo a diminuir essa ignorância, essa arbitrariedade que se comete aqui.

E a respeito da estrela mirim Greta Thunberg: qual a sua opinião sobre ela?

Greta é absolutamente sensacional. O mundo atual precisa disso. De pessoas que simbolizem ideias que nos unam e que façam com que a gente se organize para pressionar os governos, órgãos, seja lá quem for. Vivemos em um mundo difuso, com muitos temas em discussão. E, às vezes, ficamos perdidos em meio à batalha de ideias. Por isso, a ação de ativistas como Greta – que simbolizam uma causa e mobilizam tanta gente – é motivo para se festejar. Ela chama a atenção e ‘recruta’ o pensamento de outros jovens para a causa ambiental. Mostra também que as novas gerações já têm um entendimento mais aprimorado sobre a conservação ambiental do planeta.

Guarda alguma lembrança ecológica da sua infância?

O grande momento em que me entendi como um elemento da natureza foi a partir dos meus seis, sete anos de idade. Minha mãe, já separada do meu pai, e o então companheiro dela compraram uma casinha numa roça, em Itacaré (BA). Lá não tinha luz elétrica. Eles plantavam horta, coco e a gente pegava água da represa para lavar louça. Ali aprendi a importância de me harmonizar com a natureza: a dormir quando escurecia e a acordar quando o dia clareava. Também conheci o peso que tem um balde d’água na cabeça.

Que legado e valores espera deixar para seus filhos?

O primeiro é a educação. Desde cedo, quis fazê-los compreender que somos parte da natureza. E não um senhor que a domina. Mantê-la em equilíbrio é assegurar o nosso próprio equilíbrio: dependemos do sol, a lua influencia o nosso organismo e o planeta, etc. Outro aspecto diz respeito ao consumismo.

O que ensina a eles sobre essa questão do consumo?

Essa é a parte mais delicada. Países mais avançados já deram uma guinada em prol do consumo sustentável e da preservação ambiental. Mas viver isso, de forma prática, é difícil. Compre menos calças! Coma menos carne vermelha! Compre menos plástico e menos carro! Esse discurso é difícil de emplacar, porque vai contra o poder hegemônico, que é o dinheiro. Procuro explicar aos meus filhos que é legal comprar aquela ‘calça dos sonhos’, mas que a gente não precisa de centenas de calças, de tênis, de camisas. O legado envolve algo maior. A ideia de que temos de aprender a consumir e a viver com o essencial. O resto é consumo excessivo. É supérfluo e será a parte nociva da qual o planeta vai nos cobrar a conta.

Personagens como o Davi podem inspirar pessoas a ampliarem sua visão de mundo em prol da sustentabilidade. Qual o seu recado aos jovens e aos empresários brasileiros?

Sem dúvida, ele é um personagem-símbolo. Por isso, quando topei vivê-lo, meu desejo foi corroborar com um discurso no qual acredito. O Davi dá voz a uma mensagem que eu gostaria de passar às pessoas. Quanto aos empresários, se eu disser a qualquer um deles que desejo que se consuma menos aquilo que eles produzem, criaríamos uma cizânia desnecessária.

O que pode dizer a eles, então?

Comprometam-se com o meio ambiente e com formas sustentáveis de produção. O restante do mundo está correndo atrás disso e levando vantagem. Vai levar cada dia mais vantagem quem estiver em sintonia com esse tópico [a causa ambiental], que é urgente no mundo inteiro hoje. Os negacionistas vão ficar para trás na história.

É otimista em relação ao futuro da humanidade nesta nossa ‘Casa Comum’?

Eu exercito o otimismo. Ele é importante até mesmo pra gente não adoecer. E também, porque quero que meus filhos, netos e as gerações que vierem tenham uma bela vida. No entanto, só otimismo não é suficiente. Quando a gente se diz otimista com algo, parece que estamos delegando a terceiros a responsabilidade sobre as mudanças [necessárias] e a preservação [ambiental]. O planeta não acabará. Mas se tornará cada dia mais hostil. E só quem tiver dinheiro poderá comprar as suas “bolhas” de sobrevivência. Isso já ocorre, em pequena escala, e é muito cruel…

Com o passar do tempo, se nada for feito, isso tende a se agravar?

Sim. Sob esse aspecto, fico um pouco pessimista, porque a vida, de fato, tende a ficar mais difícil para a grande maioria da população. Essa é a parte trágica [do desequilíbrio ambiental]. Mas, ainda assim, prefiro acreditar – diante de tudo que tratamos aqui, nesta entrevista, do exemplo do meu personagem, do engajamento da minha família, das atitudes de pessoas como a Greta, e da mentalidade do empresariado brasileiro e mundial que está mudando – que podemos reverter essa situação. A gente não foi ‘feito para voar, e voa’. Por que não usar o potencial humano em prol de nossa própria sobrevivência, mais justa e equilibrada? Isso é possível. Eu acredito no ser humano.

Quem é ele?

O ariano Paulo Vladimir Brichta foi batizado com esse nome em homenagem a duas figuras de destaque na história do Brasil. O pernambucano Paulo Freire, patrono da educação brasileira, e o jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975, em pleno regime militar. A estreia como ator se deu na infância, na escola experimental Hilda Figueiredo, em Salvador. Ele seguiu fazendo teatro até os 17 anos, quando ingressou em um curso livre da Universidade Federal da Bahia e começou a trabalhar profissionalmente. É reconhecido por inúmeros papéis e prêmios na TV e no cinema.

 

Foto: Rede Globo

Fonte: http://revistaecologico.com.br/revista/edicoes-anteriores/edicao-123/amor-de-filho/

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