Vladimir Brichta chega ao estúdio de fotografia na Gávea, bairro na zona sul do Rio de Janeiro, como pede o verão carioca, de bermuda e chinelo, desculpando-se por um atraso de poucos minutos. Com o entusiasmo de quem gosta de contar histórias, narra o motivo: uma senhora, de colar de pérolas no pescoço, o abordou para mostrar a sua casa, que está à venda. Vladimir aceitou o convite e acompanhou a informal corretora porta adentro – e até, ele ri, combinou de ganhar uma comissão caso indique um comprador.
É com essa leveza e uma calma baiana que Vladimir leva a vida, apesar de não terem faltado contratempos e dificuldades em seus 40 anos. Ele foi uma criança estourada, que brigava e ia mal na escola, e que encontrou no teatro uma forma de canalizar a agressividade. Teve uma filha quando ainda era um jovem ator, em Salvador, e mal conseguia pagar as contas sem a ajuda dos pais. Ficou viúvo aos 23 anos e precisou lutar na Justiça pela guarda da filha pequena, que não viu durante meses. Encontrou o sucesso na Globo em 2001, mas depois de fazer cinco novelas em cinco anos, se afastou da TV. “Eu estava muito descontente com o resultado do meu trabalho”, ele conta. “E obviamente isso tinha efeito na minha vida pessoal.”
Em meio a uma crise, Vladimir foi fazer terapia e teatro. Só depois, aos poucos, voltou para a televisão. Com bem menos intensidade: ele fez apenas as séries Faça a sua história, em 2008, e Separação?!, em 2010, antes de engrenar cinco temporadas de Tapas & beijos (2011-2015) no papel de Armane Vilar. Enquanto se consagrava mais uma vez como um “galã cômico”, Vladimir não se deixou consumir pela TV. Na mesma época de Tapas & beijos, fez e produziu a peça Arte e se jogou no cinema – caminho que os amigos Wagner Moura e Lázaro Ramos tinham tomado alguns anos antes –, estrelando dramas como A coleção invisível (2012), de Bernard Atal, e Real beleza (2015), de Jorge Furtado. “Foi um período muito valioso, foi quando de alguma forma aconteceu o que eu sonhava lá atrás: ter mais autonomia na escolha do meu projeto, seja no teatro, na televisão ou no cinema”, conta.
A guinada na carreira há mais de uma década trouxe Vladimir, agora, para um dos momentos mais importantes da vida. Em 2016, além de participar da elogiada série Justiça, que mostrou seu lado dramático para o público televisivo, ele finalmente voltou para o formato que o lançou na TV, como Gui, o roqueiro decadente da novela Rock story.
É na tela grande, porém, que Vladimir deve encontrar ainda mais sucesso em 2017: ele é a estrela de Bingo: O rei das manhãs, longa inspirado na história de Arlindo Barreto, ator que interpretou o palhaço Bozo (e foi casado com Gretchen, vivida por Emanuelle Araújo). Estreia na direção de Daniel Rezende, montador de filmes como Cidade de Deus e Tropa de elite, Bingo: O rei das manhãs chega aos cinemas só em agosto, mas um trailer compartilhado no fim do ano passado já deu sinais do interesse que vai despertar: até elogios pelo trabalho Vladimir já recebeu. “Esse filme, por inúmeros motivos, é um marco pra mim”, ele conta. “Sempre tive muito pudor de dizer ‘eu sou palhaço’. Mas é isso: eu sou um palhaço.”
O público televisivo está mais acostumado a ver você nessa posição de galã cômico. Tanto é que apontam Justiça como um divisor de águas na sua carreira. As pessoas ficaram muito encantadas, né? Vieram falar que era diferente de tudo que eu tinha feito. Claro que fico lisonjeado, mas quem acompanhou meu trabalho no teatro, ou no cinema, em filmes menores, independentes, que eu faço, entende que transitar por um universo mais realista não é nenhuma novidade na minha carreira. Eu acho meu trabalho em Justiça bom, mas não acho merecedor de tanto elogio. Não acho mesmo. Gosto e recebo, mas fui beneficiado pela surpresa desse público da TV – que não é obrigado a ver tudo que eu faço.
Depois que você foi para o Rio, fez muita televisão. Já os seus amigos da Bahia, o Wagner Moura e o Lázaro Ramos, foram muito mais para o cinema. Foi uma decisão consciente sua fazer mais filmes nos últimos anos? Foi consciente no sentido de que eu tinha vontade de fazer. Eu, Wagner e Lazinho somos amigos-irmãos, a gente é muito próximo. Tem também um quarto elemento, o Marcelo Flores. A gente se encontra quando consegue, e temos até grupo no WhatsApp, sabe? [Risos.] Nós quatro, e principalmente nós três, que ocupamos lugares mais ou menos parecidos, somos muito balizadores. Teve inúmeras situações em que um foi perguntar ao outro se deveria topar determinada coisa. O Wagner virou e disse assim: “Tropa de elite 2, estão querendo fazer. Faço ou não?”, e eu falei: “De jeito nenhum, Tropa de elite é um fenômeno, é um marco, não tem como”. Imbecil, né? Fui péssimo [risos]. Mal sabia que viraria o maior fenômeno do cinema nacional de todos os tempos. Enfim, até conselhos ruins a gente acaba dando, eventualmente. Quando a gente veio com A máquina, em 2001, a peça do João Falcão, eu imediatamente entrei pra TV. Teve filmes que deixei de fazer, teve filmes que eles acabaram fazendo e que eu poderia ter participado. Mas não dei um tempo de novela pra fazer cinema.
rimeiro foi fazer teatro. Precisava dar um tempo de televisão e claro que o teatro era um resgate de um lugar importante. Só na época do Tapas & beijos, que durou cinco anos, embalei e fiz seis filmes. Na mesma época também fiz a peça Arte, da Yasmina Reza, que eu mesmo produzi. Foi um período muito valioso, quando de alguma forma aconteceu o que eu sonhava lá atrás: ter mais autonomia na escolha dos meus projetos, seja no teatro, na televisão ou no cinema. Isso culminou com O rei das manhãs.
O rei das manhãs tem tudo pra ser seu grande sucesso cinematográfico até agora. Como rolou o convite pra fazer esse filme? Mais uma vez os amigos estavam envolvidos. O projeto surgiu lá atrás, acho que na época do Tropa de elite 2. Era Wagner que ia fazer, mas primeiro era só uma ideia de um filme inspirado em fatos reais. O projeto se encaminhou quando o Dan Klabin, que é um dos produtores, leu sobre o Arlindo Barreto na piauí [em 2017]. Só que Wagner não podia participar, e a princípio o Daniel Rezende não queria fazer sem ele. Depois, veio conversar comigo – certamente Wagner tem participação nessa história. Fizemos uma leitura e pronto, ele falou: “Olha, vamos fazer, sim”.
Quando o Arlindo era o Bozo, na década de 80, você era criança. Você via o programa dele? Eu via pouco, rapaz. Sempre digo que, como a Xuxa usava menos roupa, eu tinha mais interesse em ver a Xuxa do que o Bozo [risos].