Para Vladimir, “ele convive no submundo, mas se faz passar por aristocrata porque, na verdade, vem de um meio abastado, do qual se afastou. Esse personagem existiu e era comum na época em que viveu”
Lázaro Ramos foi melhor ator no Cine PE deste ano por seu papel em O Vendedor de Passados, que Lula Buarque de Holanda adaptou do livro de José Eduardo Agualusa. Em 2014, quem recebeu o prêmio no Recife foi Vladimir Brichta, por Muitos Homens num Só, de Mini Kertis, que estreia na próxima quinta, 25. Na entrevista que deu ao Estado – e se o filme dele não foi um estouro, não foi por falta de qualidade -, Lázaro havia destacado como o Recife foi importante no começo não apenas de sua carreira, mas também na de Vladimir e Wagner Moura. O próprio Vladimir confirma.
Depois de atuar no infantil A Ver Estrelas, de João Falcão, ele foi convidado para o espetáculo A Máquina, também de Falcão, que o diretor fez questão de estrear no Recife. A peça ficou em cartaz durante meses e o sucesso de público levou o elenco todo para a Globo – Vladimir, Lázaro, Wagner. “Foi uma coisa apoteótica em nossa carreira”, disse o ator, no Rio, numa entrevista para promover o lançamento de Muitos Homens num Só.
Numa época em que as comédias dão o tom nas bilheterias dos cinemas brasileiros, a diretora Mini Kertis, em sua estreia no longa, ousa fazer um filme de época, e um policial, digamos, romântico.
Com base em João do Rio, Vladimir faz uma espécie de Arsène Lupin brasileiro, um ladrão aventureiro como o do francês Louis Malle em sua obra-prima do final dos anos 1960. Para o ator, foi, talvez, o maior desafio de sua carreira até aqui.
“Queria fazer meu personagem de época, mas conversei muito com Mini (a diretora) para que ele não ficasse só no passado. Apesar dos cuidados de produção, não queria me preocupar com o comportamento de um homem que viveu há 100 anos, fazendo tudo certinho. Queria que ele tivesse uma pegada atual, mas mantendo o romantismo. Foi gostoso de fazer e o prêmio (no Recife) mostrou que a aposta valeu.”
Muitos homens num só. A definição aplica-se não apenas ao papel de Vladimir Brichta no longa de Mini Kertis que estreia na próxima quinta-feira, mas ao próprio ator. Além do filme de Mini, Vladimir tem pronto para estrear o novo longa de Jorge Furtado, Real Beleza, no qual contracena com a mulher, Adriana Esteves. Com ela, também fez a dublagem da animação Os Minions. Adriana dá voz à vilã Scarlet Overkill.
“Você sabe como ela é boa nessa coisa de vilã, né?” Desde que fez história como a Carminha de Avenida Brasil, Adriana virou a “malvada” no imaginário do público. “No começo, me incomodava, as pessoas só queriam saber da Carminha. Depois me acostumei. Além da dublagem, trabalhamos juntos no filme do Jorge (Furtado). É bom dividir a cena com a atriz que admiro e a mulher que amo”, diz Vladimir, romântico como seu ladrão no filme de Mini.
Só que esse romantismo é só metade de sua persona pública. Vladimir é ótimo fazendo o cafajeste de Tapas e Beijos, série da Globo há mais de quatro anos no ar e na qual divide a cena com Fernanda Torres, Andrea Beltrão, Fábio Assunção (e Flávio Migliaccio, Daniel Boaventura, Fernanda de Freitas etc).
Tapas e Beijos está chegando ao fim, acaba no segundo semestre. “Eu era um que achava que devia acabar. Ao contrário de A Grande Família, que tinha muito mais possibilidades para a construção de histórias, Tapas e Beijos gira em torno do casal. Não dá para inventar tanto. Chega um ponto em que você pensa: ‘Mas isso já fizemos’. Para não repetir, é melhor terminar, e no auge. Mas vou sentir falta. Convivo há tempos com esse elenco bacana. Aprendo com eles, somos amigos. É uma troca permanente. E eu gosto desse timing de comédia. É preciso ficar esperto no set.”
De volta a Real Beleza, o filme de Jorge Furtado tem cenas calientes. E como foi fazer? “Ah, é engraçado. Depois de tanta intimidade na vida ficar se agarrando diante de uma equipe. Dá um certo constrangimento, mas somos profissionais. Vamos lá.”
A dublagem de Os Minions talvez tenha sido mais estressante. “Quem vê o filme não imagina a camisa de força que é gravar dentro de um tempo tão preciso. É preciso controlar o tempo e se soltar para ficar divertido. Não é fácil, mas gostei.” Só para lembrar, Vladimir e Adriana já haviam feito lá atrás as novelas Coração de Estudante e Kubanacan. A história mesmo começou em 2006. “Tenho grande respeito e admiração pelo que ela conquistou”, diz o marido orgulhoso. E Muitos Homens num Só? O filme baseia-se no livro Memórias de Um Rato de Hotel, de João do Rio. O escritor, que foi cronista do Rio da Belle Époque, inspirou-se num personagem real para criar essa figura de ladrão aventureiro, que adota diversas identidades para aplicar seus golpes.
Na trama, a situação de Dr. Antônio, como é chamado na imprensa, complica-se duplamente quando ele se envolve com uma mulher casada (a Eva de Alice Braga) e quando Caio Blat, na pele de Félix Pacheco, diretor do recém-criado Gabinete de Identificação, resolve usar métodos científicos – as impressões digitais – para identificar o homem que se esconde por trás de tantos disfarces. Para Vladimir, “ele convive no submundo, mas se faz passar por aristocrata porque, na verdade, vem de um meio abastado, do qual se afastou. Esse personagem existiu e era comum na época em que viveu”, reflete. Ainda segundo o ator, o personagem foi muito bem escrito – com figuras adaptadas de outros livros do autor – e isso, levado ao seu entendimento com a diretora, tornou a experiência muito prazerosa. “E olha que não foi fácil. Fazer um filme de época no calor do Rio, filmando com todas aquelas roupas pesadas, exige uma disposição de ferro. Tem horas que você acha que vai morrer.”
Nascido no interior de Minas, Vladimir Brichta foi cedo para a Bahia. Lá fez sua formação, amigos, começou no teatro. Fez teatro infantil e, depois, com os amigos Lázaro Ramos e Wagner Moura, ingressou na aventura de A Máquina, a montagem de João Falcão que mudou a vida de todos. Na Bahia, o mineiro solidário conheceu o mar. Adora surfar.
O diretor de fotografia de Muitos Homens num Só, Flávio Zangrandi, é seu parceiro na hora de tirar onda. “O Flávio também é amigo de Rodrigo Santoro e, quando está no Brasil, Rodrigão surfa com a gente.” Um homem de muitos amigos? “Sempre gostei de gente. Acho que foi o que me fez virar ator. A vontade de entender e dar vida ao outro.”
Sem risco de tirar a graça contando o fim da história, o ladrão de Mini Kertis e Vladimir Brichta, como o de Louis Malle (em Le Voleur/O Ladrão Aventureiro, de 1969), fica preso ao seu vício. O filme resolve-se na perspectiva da Eva de Alice Braga. Um policial feminista centrado num personagem masculino? Veja, para conferir.
Muitos Homens num Só deve estrear num amplo circuito. No Recife, no ano passado, ganhou dez (dez!) Calungas, incluindo melhor filme, direção, ator, atriz, roteiro (Leandro Assis), ator coadjuvante (Pedro Brício), direção de arte (Kiti Duarte), trilha sonora (Dado Villas-Boas) e edição de som (Tomás Alem), além do prêmio do público. Para quem reclama de que o cinema brasileiro só faz sucesso com as comédias, eis uma boa oportunidade para testar algo diferente, e bem feito.