Por Fabiana Sato
O ano de 2017 tem sido generoso com Vladimir Brichta. O ator mineiro de coração baiano, que voltou às novelas em Rock Story após um hiato de dez anos dedicando-se a projetos de séries e teatro, estrela uma grande aposta do cinema nacional: Bingo – O Rei das Manhãs. Inspirado na história de Arlindo Barreto, um dos intérpretes de Bozo nos anos 1980, o filme mostra os bastidores de um dos maiores sucessos da programação infantil da TV brasileira. Só que no lugar de Bozo, entra Bingo. E o SBT e Globo, palcos da “guerra” pela audiência das manhãs infantis da época, dão lugar às emissoras fictícias TVP e Mundial. Qualquer semelhança não é mera coincidência.
“É um drama de ascensão e queda de um rock star. O grande diferencial é que esse rock star é um palhaço”, resume Daniel Rezende sobre o longa, que marca sua estreia como diretor. Bingo/Augusto não teria, a princípio, o rosto de Vladimir por trás da tinta branca de palhaço. Desde o começo, o papel foi pensado para Wagner Moura, com quem Rezende trabalhou quando foi montador de Tropa de Elite.
Envolto com as gravações da série Narcos, o ator não quis deixar órfão seu personagem. “Nos encontramos, eu, Lazinho (Lázaro Ramos) e Wagner Moura, e ele disse: ‘Tem um filme que não vou poder fazer. É um dos melhores roteiros que já li e um de vocês dois tinha que fazer”, relembra. “Lazinho ainda brincou: Mas se é a biografia do cara, estou meio distante (e aponta para a pele). O que na verdade é irrelevante. Ele poderia fazer e ia ficar incrível, arrebentaria”. Essa referência da conversa entre os amigos, aliás, viralizou na última semana, quando a distribuidora divulgou um making of em que os três disputam o papel (assista no link).
Wagner Moura disse à QUEM que a escolha de Vladimir foi perfeita. “O senso de humor de Vlad é clownesco, físico… Ele nunca teve problema em fazer as piadas mais infantis nos lugares mais solenes. Mas por de trás desse palhaço está um coração enorme, um grande amigo, um grande ator, uma grande alma. Difícil pensar em outra pessoa fazendo esse papel. Não consigo pensar na minha história de vida sem Vlad. Começamos juntos lá em Salvador e desde então seguimos muito presentes na vida um do outro. É uma amizade muito preciosa, de muita troca, humor, apoio, amor. Ele é um irmão. Uma pessoa fundamental pra mim”, elogia.
Confirmado na produção, Vladimir iniciou a preparação para o personagem, que incluiu perder 8kg e fazer laboratório com quem tinha experiência no assunto: Domingos Montagner (1962 – 2016) e Fernando Sampaio – atores com origem no picadeiro e criadores do grupo circense LaMínima. “A presença dele foi uma forma de ajudar um palhaço mais novo (eu) a se encontrar. É um paralelo com a história do filme, totalmente. Ver o Domingos atuando é tocante, emocionante”, conta Vladimir a QUEM.
A morte trágica do ator em 2016, afogado nas águas do rio São Francisco, dia 15 de setembro de 2016, não alterou o roteiro do filme, que já estava todo gravado. “Eu ia mostrar Bingo pela primeira vez ao Vladimir no final de semana seguinte à morte do Domingos e acabamos adiando. Fiquei um mês sem conseguir olhar pro filme e, quando assisti, não conseguia olhar as cenas do Domingos”, comenta Rezende, que relembra ainda o desejo que o ator teve de, ele mesmo, fazer o protagonista: “Domingos gostaria muito de ter feito o papel e conversei com ele por que tinha uma questão de idade que não batia. Mas eu queria muito que ele estivesse no longa e que tivesse esse registro do Domingos como o palhaço mentor no filme”, diz Rezende. O resultado é uma participação muito simbólica que marca o papel derradeiro de Domingos.
Vladimir – O Palhaço
Apesar do perfil de galã com viés cômico que popularizou Vladimir Brichta na televisão, assumir-se palhaço aconteceu apenas com o desenrolar do filme: “Eu tinha pudor de dizer que eu era um palhaço. Venho de um universo acadêmico e respeito as pessoas que estudam muito. Eu fazia minhas palhaçadas desde sempre, já me vesti de palhaço e tinha um timing, mas tinha esse pudor, ainda que já pagasse as contas com humor. Hoje sou um palhaço”, reflete.
Entre os colegas, Brichta é unanimidade: “Vladimir é um ator com um timing e uma inteligência únicos. Depois, eu passei a gostar mais ainda dele porque ele é casado com uma pessoa que eu amo e qualquer um que faz Adriana (Esteves) feliz me deixa fã absoluta”, derrete-se Ana Lúcia Torre, intérprete da mãe de Augusto, com quem ele tem uma relação quase edipiana no filme.
“Foi muito bonito ver a entrega dele, esse comprometimento e profissionalismo. Ele pegou esse filme para ele e foi até o fim. Ele filmava do primeiro horário até o fim todos os dias. E você nunca o via reclamando. Estava sempre ali, disposto e ao mesmo tempo indo a lugares bem punks para construir seu personagem”, relembra a colega de elenco Leandra Leal.
Palhaço tem coração
Um dos tripés em que se apoia a narrativa é a relação de Vladimir com a família, sobretudo o filho Gabriel (Cauã Martins). À medida que Bingo escala o sucesso e se torna o palhaço mais amado do Brasil, Augusto se desconecta do filho.
Pai de Vicente, de 10 anos, fruto do casamento com Adriana Esteves, e de Agnes, de 20, do relacionamento com a cantora Gena Karla (morta em 1999 em decorrência de porfiria, doença que causa distúrbios no metabolismo), Vladimir relembra que em certa medida, assim como seu personagem, já passou por esse distanciamento, mesmo que involuntariamente. “Briguei pela guarda da minha filha por muito tempo, então estive ausente. Neste caso, por uma força que não era meu desejo. Isso afetou muito minha vida, fui motivado pelo desejo de estar próximo e ser um pai presente”, relembra.
“Me lembro quando um diretor de teatro me encontrou. A mãe da minha filha tinha falecido há pouco tempo e ele passou por mim e perguntou ‘como é que está a sua filha?’. Eu estava fazendo um monte de peças e a Agnes estava passando um tempo com a minha mãe nesse período. Falei ‘ah, ela está com minha mãe, num sítio, muito legal..’, comecei a enaltecer. Ele me disse: ‘Legal pro filho é do lado do pai’. Senti um baque. Nunca esqueci disso, me norteou”, diz.
Roteiro
O drama do cara triste por trás do nariz de palhaço não é exatamente temática nova no mundo do cinema ou das artes. Pierrot e Chaplin já exploravam muito bem o assunto. O grande trunfo da produção é que o ‘palhaço triste’, nesse caso, faz parte do imaginário da cultura pop do brasileiro. “Queria muito algo que pudesse conectar com pessoas, ter uma história profunda e que olhasse pra nossa própria cultura pop. Fazemos pouco isso. A gente olha bastante pras culturas regionais, mas não explora tanto a nossa”, reflete Rezende.
Na trama, Augusto (Vladimir Brichta) é filho de uma famosa vedete e ator de pornochanchada que vê nas audições para o palhaço Bingo um atalho para o sucesso. Em uma década de exageros como foram os anos 80, junto com a popularidade avassaladora do personagem, Augusto mergulha em uma onda de sexo e drogas digno de uma estrela do rock.
“Bingo reverbera esse discurso de que a fama ou poder, quando você realiza alguma coisa grande, mudam drasticamente a forma como o mundo te vê. É difícil administrar o fascínio e poder que lhe dão. No caso dele, ainda tem a ambiguidade de ser famoso (como Bingo) e ao mesmo tempo desconhecido (como Augusto)”, explica Vladimir.
“Três elementos que motivaram a fazer o filme: A relação do personagem com filho e a mãe, a luta pelo sucesso sob o ponto de vista do ator, e a história do palhaço triste. É um pouco se perguntar, por exemplo, por que o Robin Williams se matou. É um cara que faz a alegria das pessoas e tem um lado tão sofrido e desajustado. O palhaço é uma superprojeção da alegria, mas pode se afundar na tristeza, inquietação e nos dilemas humanos”, reflete Brichta. “Fizemos esse recorte do mundo artista, mas acontece com todos nós, não importa se é médico, enfermeiro… a gente quer ser reconhecido pelo que faz, por ser um bom pai, um bom irmão”, complementa Rezende.
A década do exagero
Apesar de claramente se inspirar na realidade, Bingo não é, nem pretende, ser fiel com os fatos, um dos motivos que norteou a decisão de não usar os nomes reais dos personagens – com uma exceção: Gretchen.
“Algumas coisas aconteceram, outras não, e esse é o ponto de partida do filme”, diz Rezende. “Mas pensei também: A gente precisa ter uma cereja do bolo. Como eles namoraram na vida real, tem que ser a Gretchen”, diz o diretor, aos risos.
Gretchen, no entanto, jurou a QUEM que nunca teve nada com Arlindo: “Nunca tivemos um relacionamento. Eu sabia que rolariam esses comentários. Muito natural em se tratando de um filme polêmico como esse”, garante a cantora. Sobre as cenas picantes da personagem, personificada por Emanuelle Araújo, ela também é taxativa: “Essa cena não aconteceu. Eu entendo que o autor do filme precisava apimentar as coisas. É tudo fictício, mas o importante é que o filme é um sucesso”, diz. A atual rainha dos memes garante ainda que, na época, estava muito mais para uma bela, recatada e (quase) do lar: “Eu era muito jovem e de uma família muito tradicional. Nunca participei dessas loucuras. Não fumava, não bebia e nunca usei drogas.”
Se não há compromisso com a realidade, pode-se dizer que há, inegavelmente, dedicação para recriar os exageros dos anos 1980 com precisão: “A chance de errar para retratar essa época era muito grande. Esse filme tinha a obrigação de ter uma direção de arte estupenda, mas que acertasse nos detalhes. Figurino, cabelo, tudo era um exagero. A televisão era um exagero.”
Fonte: http://revistaquem.globo.com/Capa/noticia/2017/08/vladimir-brichta-sou-um-palhaco.html