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Vladimir Brichta vive no cinema história de ex-Bozo

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Foto: Daryan Dornelles

“Respeitável público! Agora, com vocês, o palhaço Bacalhau!” Com o rosto coberto por uma pesada maquiagem, uma bolota vermelha no nariz e um par de luvas gigantes, Vladimir Brichta estreou no picadeiro com o nome do peixe favorito dos portugueses. Em meio à apresentação, durante uma cena de luta de boxe, clássico da arte circense, trocou sopapos com dois outros palhaços, estatelou-se no chão, falou asneiras e provocou gargalhadas em uma plateia de 500 pessoas. Em nenhum momento o nome do ator de novelas, séries e peças de teatro foi revelado. Ele também não foi reconhecido pelo público que compareceu em um sábado à noite a um circo montado no bairro de Cidade Tiradentes, na Zona Leste de São Paulo, em outubro de 2015. O show de Brichta era parte da preparação do ator para protagonizar o filme Bingo: O Rei das Manhãs, que chega às telas no dia 24. Dirigida por Daniel Rezende, a produção é inspirada na surpreendente história de Arlindo Barreto, que durante os anos 80 foi um dos intérpretes do palhaço Bozo, personagem criado nos Estados Unidos em 1946 e que se transformou em um fenômeno entre as crianças brasileiras quase quarenta anos depois. Sob a pintura branca e a peruca vermelha, Barreto escondeu uma estrepitosa biografia, na qual couberam dezenas de filmes pornôs, papéis de galã em novelas, drogas, álcool e casamentos com musas da época, como a atriz Angelina Muniz e a cantora Gretchen. Obviamente, tantos excessos cobraram um preço: afastado do estrelato, Barreto perdeu tudo e se tornou pastor evangélico, famoso por pregar vestido de palhaço pelo interior do país. “É um personagem complexo e extremamente humano. Sem dúvida, é um marco na minha carreira”, avalia Brichta, de 41 anos, que traz no currículo treze filmes, dezessete trabalhos na televisão e mais de vinte peças. “Depois dessa experiência, eu, que sempre tive pudor em assumir isso, bato no peito e digo com orgulho: ‘Eu sou um palhaço’.”

De certa maneira, a trajetória barra-pesada do ex-Bozo revivida por Brichta põe em discussão um tema tão fascinante quanto polêmico: a busca pela fama. No filme, o personagem principal (rebatizado de Augusto), embora tenha se tornado o palhaço mais famoso do Brasil, com picos de audiência em seu programa matinal, ressente-se de ser um ilustre desconhecido. O contrato — assim como acontecia na vida real — proibia os atores que interpretavam o palhaço de revelar o rosto por trás da maquiagem e da peruca espalhafatosa. Eles ganhavam rios de dinheiro, mas o reconhecimento público à pessoa de carne e osso era inexistente. Diante da contradição, somada à complexa relação com a mãe, uma atriz em decadência (Barreto era filho da ex-vedete Márcia de Windsor), o protagonista entra em uma espiral de excessos com noitadas, orgias e doses cavalares de uísque e cocaína. Em várias cenas, aparece drogando-se antes de surgir, esfuziante, no centro de um auditório lotado de crianças.

Ao contrário de seu personagem, Brichta nunca se sentiu atraído pela vida de exageros ou pelo esplendor irresistível da ribalta. Na verdade, ele nem gostava tanto assim do Bozo quando era moleque — preferia a Xuxa “porque ela usava menos roupas, né?”. Cauteloso, sempre procurou manter distância segura das drogas. “Usei maconha, mas muito pouco. Entretanto, sou totalmente a favor da descriminalização, pois nossa forma de lidar com o problema é um fracasso”, diz. Também demonstra tranquilidade ao falar do sucesso. É do tipo boa-praça que ironiza o assédio dos paparazzi e até aproveita da internet os flagrantes feitos dele quando está surfando, por exemplo. “Apesar de um ou outro inconveniente, desafio qualquer ator a dizer que lidaria bem com o anonimato. Não deixo de fazer nada por causa da fama. Aliás, deixo de fazer uma coisa sim: tirar meleca do nariz em público”, brinca ele, que, diversamente de muitos colegas de profissão, não tem perfil em redes sociais.

O lançamento de Bingo acontece em um momento peculiarmente favorável da carreira do ator. Atualmente, ele grava o seriado Cidade Proibida, que será lançado em setembro. De cabelos curtos e bigodinho no estilo cafajeste — visual muito diferente do exibido pelo roqueiro Gui, da novela Rock Story, seu último sucesso —, ele vive um detetive particular que investiga adultérios. No ano passado, arrebanhou uma série de elogios como o traficante Celso na impactante série Justiça. Com um pé nos palcos desde a adolescência, Brichta nunca teve dúvida sobre sua vocação artística. Entretanto, há pouco mais de uma década, mergulhou em uma severa crise profissional que resultou no seu afastamento da TV Globo. Obviamente, não foi nada comparável ao mergulho no fundo do poço de Arlindo Barreto, o ex-Bozo (que, aos 64 anos, fez uma ponta no filme). Em 2005, depois de emendar cinco novelas, o ator passou a recusar papéis. “Achava meu trabalho mecanizado, morno”, relembra. Partiu para a psicoterapia, em busca de respostas para sua insatisfação. No início, quando desembarcou no Rio vindo de Salvador, há dezesseis anos, buscava reconhecimento e estabilidade financeira. Havia passado pouco tempo antes por um trauma — a morte da primeira mulher, Gena Ribeiro, provocada por uma doença hereditária e rara, em 1999 — e disputava judicialmente a guarda da filha, Agnes, com apenas 3 anos na época, com a avó materna. Em meio a um desgastante processo, conseguiu trazer a filha para o Rio e voltou a viver com ela. Até estrear nas novelas, em 2001, Brichta tinha a ajuda da família para pagar as contas. “Fui muito inocente no primeiro contrato com a Globo. Nunca tinha visto tanto dinheiro”, conta ele. Um exemplo de como era desinformado sobre as práticas do mundo artístico foi o fato de ter aberto mão do auxílio-moradia pago pela emissora a funcionários de fora do Rio e optado por rachar as contas de um apartamento com amigos.

Afastado dos estúdios e das novelas de TV por três anos, retomou sua trajetória no Projac em 2008, ao encarnar o hilário Armane, do seriado Tapas & Beijos. De imediato, foi alçado ao posto de galã cômico. Tanto ele quanto boa parte dos colegas, porém, sempre acreditaram que seu potencial ia além. Uma oportunidade imperdível surgiu com Bingo. A primeira opção do diretor Daniel Rezende, que trabalhou como montador nos filmes Tropa de Elite 1 e 2, era o protagonista dos dois sucessos de José Padilha, o ator Wagner Moura. Com problemas de agenda para as filmagens, Moura sugeriu Brichta, seu amigo dos tempos de teatro em Salvador. “Precisava de um ator que conseguisse transitar entre a comédia e o drama. Poucas vezes conheci alguém que se entregasse tanto quanto o Vladimir, e isso está lá, na tela”, diz o diretor de Bingo.

Os amigos Moura e Brichta fazem parte de um time de atores vindos da Bahia alçados ao estrelato em 2000 com a peça A Máquina, dirigida por João Falcão. Além da dupla, integra o grupo Lázaro Ramos. A trinca de jovens artistas, brilhantes e desconhecidos, amealhou um séquito de admiradores entre os grandes nomes do ramo, como a atriz Fernanda Montenegro. Para Brichta, o sucesso era quase diversão. Ele só tremeu nas bases mesmo no dia em que viu o jogador Ronaldo Fenômeno na plateia. Até hoje Moura, Brichta e Ramos cultivam fortes laços de amizade e têm por hábito trocar opiniões sobre trabalho. Brichta recorda-se de bolas fora que deu nessas conversas, como quando aconselhou Moura a não fazer Tropa de Elite 2, o maior fenômeno de bilheteria do cinema nacional.

Ao contrário do que se pensa, Brichta, que ainda ostenta um leve sotaque soteropolitano, não é baiano. Nasceu em Diamantina, em Minas Gerais, quando seu pai, o geólogo e professor Arno Brichta, fazia pesquisas na região. Uma história que o ator gosta de contar é que foi concebido em uma cela do Complexo Prisional da Mata Escura, em Salvador, onde o pai ficou preso por um ano, durante o regime militar. “Eu não tenho cara de visita íntima? Olhe para mim”, provoca. Seu nome foi uma homenagem ao jornalista Vladimir Herzog, assassinado pela repressão em 1975. Tratado na intimidade por Vládi, Brichta está casado desde 2006 com a atriz Adriana Esteves, com quem tem um filho, Vicente, de 10 anos. No apartamento da família em São Conrado, moram ainda Agnes, de 19, filha de seu primeiro casamento, e Felipe, de 17, filho de Adriana e do ator Marco Ricca. Para quem já chegou a ser chamado de “marido da Carminha”, numa referência ao estrondoso sucesso dela na novela Avenida Brasil, Brichta é de uma generosidade tocante. “Esse tipo de coisa nunca me incomodou. Eu tenho o maior orgulho dela”, confessa o ator, que tatuou no braço esquerdo a palavra “Adri”, a maneira como a chama. A admiração é mais que correspondida. “O Vládi não dramatiza nada, enxerga a vida com humor. Se eu fosse homem, queria ser ele”, derrama-­se a atriz. Em casa, pelo visto, Brichta já foi coroado o rei da palhaçada há muito tempo.

Fonte: http://vejario.abril.com.br/cultura-lazer/vladimir-brichta-vive-no-cinema-historia-barra-pesada-de-ex-bozo/

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